domingo, 23 de janeiro de 2011

Teatro-documentário



O documentário é um gênero cinematográfico com público restrito. Não é todo mundo que gosta e não é todo mundo que vai ao cinema para ver um filme deste naipe. Mas tem o seu valor. Existem documentários maravilhosos. Outros, por vezes, se tornam enfadonhos.
A gente pode contar histórias baseadas em fatos reais de forma ficcional ou não. Em todas as linguagens... No teatro, no entanto, mesmo histórias reais são ficcionadas e não têm cara de documentário. Pois “Nise da Silveira – Senhora das Imagens”, que teve sua estréia nacional em Brasília neste final de semana, é o típico espetáculo documentário, em seu formato.
A obra multimídia reúne teatro, dança, fotografia, vídeo e música para contar a história desta psiquiatra que revolucionou o trabalho com doentes mentais no Brasil. No palco, apenas a atriz Mariana Terra (filha de Raffaele Infante, psiquiatra que conviveu com Nise), que se desdobra em diversas personagens e em multifacetadas “Nises”. Fazer um monólogo pode parecer fácil, para quem vê, mas é extremamente difícil. O ator tem de segurar a onda. Segurar sozinho um espetáculo. E nem sempre consegue.
Mariana Terra parece uma atriz extremamente técnica. E, a técnica, parece ser o ponto forte e, ao mesmo tempo, a fragilidade do espetáculo. A técnica ajuda a realçar o formato documental do espetáculo. É tudo muito bem marcado. Cada gesto e fala são sincronizados com som e luz. Perfeito. Mas é técnica demais. Mariana Terra fica tão técnica que perde a emoção.
Uma história como a de Nise facilmente nos levaria às lágrimas e nos deixaria sensíveis ou reflexivos. O texto, por vezes, traz esta emoção. Mas falta à Mariana Terra esta verdade. Formada pelo Centro de Artes das Laranjeiras e pela Escola de Dança Angel Vianna, é evidente em Mariana o domínio (técnico) do corpo, dos gestos, da fala. Sua experiência na Itália, em commedia dell’art, é visível em cena. Um tipo de interpretação que, assim como o documentário, tem aqueles que gostam e, outros nem tanto. Mas independente do gosto, é claro seu domínio sobre este tipo de interpretação. No entanto, ela é melhor quando se arrisca. Quando faz Nise mais velha, o trabalho corporal de Mariana Terra é evidente. Seu corpo e sua voz refletem (e dão credibilidade) esta personagem mais velha. Quando ela sai da commedia dell’art fica mais sensível.
Cenário, figurino, iluminação e trilha sonora são os pontos fortes do espetáculo. Cuidadosamente planejados. A escolha pelo formato em cena também foi acertada para o tipo de trabalho que Nise fazia: a platéia está em cena, no palco, em um tom mais intimista, acompanhando a história. O único porém é que, no Teatro da Caixa, em Brasília, aquele que não conseguiu sentar na primeira fila do círculo formado em cena, não consegue ver direito e tem de passar o espetáculo torcendo o pescoço para assistir.    
Mesmo com alguns senões, vale a pena conferir a obra – que ainda está com um pouco de falta de ritmo. Mas, melhorias são bem vindas na direção. Fica sem sentido cênico – redundante – as cenas de dança em que a atriz mostra o processo de criação de alguns dos pacientes de Nise da Silveira, enquanto atrás há a projeção das obras dele. Não precisava mostrar todos aqueles artistas, com suas respectivas coreografias. O recado já estava dito. A comunicação se fez entendida. E, isso, ocorre no final do espetáculo, depois de mais de uma hora e meia. Ou seja, esta redundância se torna cansativa.
O texto, por vezes extremamente poético, casa com o estilo de interpretação da jovem atriz, que também fez a co-dramaturgia da obra, com Daniel Lobo (diretor). E, mesmo a poesia dele não tira da peça o seu ar documental. O cuidado com os mínimos detalhes – mérito à produção – garantem à obra a característica de teatro-documentário. Só por isso, e pela história revolucionária de Nise da Silveira, já vale o ingresso.