sábado, 28 de julho de 2012

Amor bobo


Dois espetáculos esta semana no Cena Contemporânea versavam sobre o amor. Os dois tinham o humor como pano de fundo. Uma obra brasileira de teatro – "Trabalhos de amores quase perdidos” e outra estrangeira (de teatro físico), da Espanha – Apple Love.
Duas obras que instigavam, mas que infelizmente não valiam a ida ao teatro. Premiado com Prêmio Shell, Pedro Brício prometia ao discutir as relações amorosas de pessoas na faixa dos 30 anos. O espetáculo todo era permeado pela metalinguagem. Em cena, quatro atores que, por hora, discutiam o texto a ser encenado. E, então, por um bom tempo, era como se estivéssemos vendo uma leitura dramática. Difícil segurar um espetáculo assim. Cansa. E quando a obra tem mais de uma hora e nem todos os atores são bons, o resultado é a plateia saindo mais cedo. Em Apple Love parte do público também saiu do teatro antes do fim do espetáculo.
“Eu não consigo ser profundo. Eu sou raso”, em determinado momento o ator-narrador diz esta frase. A peça tem algumas boas tiradas, algumas cenas engraçadas, mas não passa de colagens de coisas que já vimos em outros lugares. Nada original. E, aí, fica raso mesmo. O mais profundo de tudo foi o final: com a caixa cheia das cartas não mandadas... A incomunicabilidade entre os amantes – e sempre que penso nisso, algo tão comum na nossa era, lembro-me do ótimo “O silêncio dos amantes”, de Lya Luft – era um dos temas a serem discutidos, segundo a sinopse. As cartas não enviadas eram o símbolo do não-dito. Mas só elas não bastaram para dar mais sustância à obra.
Já os espanhóis da Cia Iker Gomes queriam falar do amor total. Que amor é este? A obra então começa como se estivéssemos no cinema assistindo ao trailer de algo muito esperado, talvez até de um show de rock. Oba, prometia, pensei. Mero engano. Mais uma vez cenas engraçadinhas, com música a la Sidney Magal, com vídeos clipes engraçados – lembravam Los autênticos decadentes, da Argentina. Mais nada. E com a mesma música que começou, como num ciclo amoroso, termina.
E a platéia sai com cara de boba. Então o amor, no século XXI é isso, uma piada?

domingo, 22 de julho de 2012

Roupas latinas



Roupas pra vestir. Roupas pra despir. Roupas para carregar. Roupas por todos os lados. Roupas como vestígios. Há algo no ar nas artes cênicas latinas: roupas. As vestimentas servem de fio condutor tanto em “Mi vida después” e “Enotraparte”, em cartaz no Cena Contemporânea.
Em comum entre as duas obras também as confissões: dos atores, na peça argentina; dos bailarinos, na colombiana.  Coincidências ficam por aí, pois os temas de discussão são outros.
“Enotraparte” quer discutir a identidade. Como é ser estrangeiro hoje, num mundo interligado, como é ser de algum lugar? O que nos faz pertencer?
Os bailarinos contam histórias, nas mais diversas línguas. Enquanto uns contam, outros dançam. Carregam trouxas de roupas – como fugitivos nos campos mexicanos rumo aos Estados Unidos. Roupas na cabeça, como lavadeiras. Roupas na mão, como aquele que viaja com o mínimo possível. Despem-se. E agora, quem sou? Trocam de roupa, como quem troca de identidade. E, mais uma vez, trocam confidências, sussurradas em pares. Reconhecem-se ou estranham-se. Esta cena, em que estão perfilados, em duplas, é talvez uma das mais belas da obra. Beleza singular e emocionante.
Emoção, porém, é o que falta à obra. Um tema tão delicado e instigante, em que esperamos nos emocionar. Falta um silêncio na imensidão das roupas, que caem sobre o palco...

quarta-feira, 18 de julho de 2012

Como nossos pais ou Como nuestros padres



O que nós levamos de nossos pais? Suas histórias determinam as nossas? Em que medida elas nos influenciam? Talvez um pouco disso nos venha à tona ao ver “Mi vida después”, que abriu ontem o Cena Contemporânea e segue até amanhã na Funarte, em Brasília. Assim como imaginar que toda ditadura é igual em qualquer lugar.
A peça é baseada na história real dos pais dos atores, que nasceram entre 1972 e 1983. A partir de fotos, cartas, roupas usadas, relatos, eles relatam a juventude de seus pais, os anos anteriores e posteriores ao nascimento daqueles que um dia estariam encenando suas vidas. Anos de chumbo, em plena ditadura no nosso país vizinho, a Argentina. E, como, ao ver os relatos, não pensar também na nossa história política?
Como não se emocionar com o relato do exílio do pai? Com a morte pela ditadura? Com a descoberta de que seu irmão, parceiro da vida toda, foi raptado? Do mesmo modo, como não rir de algumas situações vividas por eles.
A história real de pessoas que viveram a ditatura argentina poderia se tornar em algo enfadonho. Mas a peça é construída de modo dinâmico – num ritmo acelerado, em que as cenas são quase que flashes. Imagens projetadas, vídeos, sons em fita cassete, os mais diversos recursos para deixar dinâmico um espetáculo que fala do passado, que tem atores desde os 40 até 20 e poucos anos e que tem a cara da juventude. O texto, mesmo quando sério, não soa chato.
Um momento muito interessante é quando eles contam – de forma fragmentada – sonhos com seus pais. É quase uma aula de psicanálise. Inclusive, a relação deles com o que foram seus pais, é um exercício de auto-reflexão – o que deles (nossos pais) existe em nós, afinal? A peça poderia terminar ali e, parte das histórias que vêm depois, estar antes desta bela cena. Sem projeções para o futuro. Para quê?