segunda-feira, 31 de outubro de 2011

As flores murcham...


Imagina ganhar um buquê das tuas flores preferidas – no meu caso, rosas vermelhas ou champagne. Recebes o ramalhete feliz, cheira as flores e, imediatamente, vais abrir o cartão. As flores não eram de quem esperavas ou pior, é de alguém que detestas... Como elas, murchas – mas bem antes do tempo. Assim é “Buquê”, das Margaridas Dança, coreografado e dirigido por Laura Virgínia, autora do livro homônimo, que inspirou a obra dançante - que estreou dia 14 no Teatro Newton Rossi, em Ceilândia, terminando sua temporada ontem (30), no Espaço Mosaico.
A cena começa na sala de espera do teatro e o clima é de um cabaré. A platéia sentada, aguardando o sinal para entrar no teatro e eis que começa a tocar Chico Buarque e surgem os bailarinos – dois casais. Os homens (Beneto Reis e Júlio César Campos) vêm buscar as mulheres da platéia para dançar – como antigamente, com o rosto coladinho. E, enquanto dançam conosco, recitam poemas – do livro Buquê. As duas bailarinas – Laura Virgínia e Cleani Calazans – dançam como que a chamar (os poucos) homens da platéia, aguardando-o que eles façam a gentileza de as tirarem para bailar. Passado um tempo, vão então para o teatro, onde o espetáculo (diz a moça da recepção) vai começar. Mas já não havia?
Esta primeira cena é como quando ganhamos um buquê (e ainda não sabemos de quem é): ficamos com o perfume no ar. Estamos felizes por recebermos estas flores.
No teatro, a primeira cena, em que eles parecem em fuga. E, neste entremeio, recitam os poemas. Laura Virgínia é multiartista e trabalha com várias linguagens: dança, literatura, música e o Margaridas Dança, criado em 2004, busca também esta transdisciplinaridade. Mas será que o caminho é este? Eu preciso dançar recitando poemas para usar as duas linguagens? Por vezes, o movimento sublinha o poema, por outras é o poema que sublinha o movimento. E redunda...
O livro “Buquê” é como uma colcha de retalhos – traz poemas de diversas fases da vida da escritora, desde 1992. Assim, não é o buque de uma flor – a minha rosa, por exemplo – mas de várias, daqueles que misturam vários aromas. No livro são: gengibre, brunir, haiku e dança. Assim como no livro, a obra dançante traz os quatro momentos para o palco, representados por estados energéticos. Então, para representá-los, eles se servem de tudo: de uma “dança-kitsch” - como diz Laura Virgínia, oriunda das estéticas presentes em sua carreira (balé clássico, moderno, contemporâneo e jazz) – de uma trilha sonora que vai de Chico Buarque a Amy Winehouse, da mudança de figurinos, de elementos cênicos (como ratinhos brancos andando pelo chão?), etc. A produção cênica, inclusive, é caprichosa – com cortinas onde os poemas estão estampados, candelabros, manequins... “Buquê”, a obra cênica, acaba por ser também este mosaico e perde em unidade dramática – seria ela, teoricamente, as nuances das diferentes “flores”?
Uma das belas cenas é quando Cleani Calazans – que por vezes se repete no movimento de rolar e terminar com uma perna estendida - atravessa uma diagonal do palco na penumbra do gelo seco, sob bolhas de sabão produzidas pela platéia (corre de mão em mão o brinquedo), enquanto Laura Virgínia está do outro lado. As duas dançam por um bom tempo sem recitar poema algum. E, nesta hora, a dança fala tanto por si... Pra que, depois as palavras?
Mas a toada do espetáculo é sempre a mesma, a obra é muito linear e, assim como as flores, a plateia vai murchando na cadeira. Vem, então, a cena final – o sabor da alegria – numa “dança-kitsch” que soa exatamente assim (no sentido pejorativo), para nos tirar daquele marasmo e dar um brinde – com direito a guloseimas – a todos nós. O mosaico de flores, infelizmente, murchou antes do tempo e nem água traria o viço de volta. O buquê não era de quem esperávamos...