quinta-feira, 29 de março de 2012

Beleza lúdica




Os brasilienses tiveram uma oportunidade rara neste mês de março: assistir a estreia nacional de uma obra de dança: “Camélia”, da Márcia Milhazes Companhia de Dança, que esteve em cartaz no Centro Cultural Banco do Brasil de 1º a 18 de março. O espetáculo, gratuito, era apresentado no vão livre do CCBB. Uma obra delicada, de uma beleza lúdica, que atraia toda a família – sobretudo por causa do cenário.

Composta por três cenas, “Camélia” é permeada pela obra de Beatriz Milhazes. A cenografia teve como base o móbile Aquarium, produzido por Beatriz com pedras e metais preciosos, a convite da Fondation Cartier, em Paris. São, então, cinco destes móbiles no teto, espalhados no espaço delimitado para a cena acontecer. As cadeiras para os espectadores circundam o tablado da cena, sendo que em um dos lados há uma parede de vidro – que reflete os bailarinos.

“Camélia” é o resultado de uma experiência anterior de Márcia Milhazes, que havia sido convidada para realizar uma apresentação na abertura de um panorama da arte brasileira na Espanha e, em frente a um museu, percebeu como era lidar com espaços abertos. Esta mudança no espaço da cena é um marco na trajetória da coreógrafa, acostumada ao palco italiano.
A trilha sonora compõe e divide Camélia em três blocos, onde o foco é a brasilidade. No primeiro estão os motivos sacros e barrocos de Francisco Xavier Batista, Padre José Maurício e Carlos Seixas, compositores do século 17, interpretados pelo cravista Marcelo Fagerlande. Nesta primeira cena, há uma ludicidade grande, é como se as bailarinas Aline Arakaki e a brasiliense Ana Amélia Vianna brincassem entre elas: um jogo de procura e esconde – deixando o bailarino (Felipe Padilha) solitário. A parede de vidro serve de elemento definidor desta brincadeira.

O segundo bloco traz Heitor Villa-Lobos com Prelúdio nº2 ,  para piano e violoncelo, e Sonata para cordas. Nesta fase, mudam-se os figurinos e há mais espaços para pas de deux, como se Felipe Padilha, por vezes, fosse disputado pelas meninas. A terceira intervenção é um retorno ao século 17, com peça anônima escrita para viola da gamba. Volta-se também para o primeiro figurino. O desenho do figurino, também de Márcia Milhazes, compõe com o cenário da irmã, com cores fortes para as bailarinas e branco para o bailarino. 

A movimentação do elenco é permeada pelo uso dos membros: pernas e braços que voam no espaço e, por vezes, tocam os móbiles, balançando-os.  E é toda essa brincadeira que encanta os olhos. Em cada intervalo, crianças da plateia invadem o espaço e se divertem tentando tocar os móbiles e voar como os bailarinos.

Sem grandes pretensões, “Camélia” é o típico espetáculo familiar, para se deliciar.

domingo, 25 de março de 2012

Piegas, mas real



O filme “Duas vidas” (de Jon Turteltaub) conta a história de um homem que, ao fazer 40 anos, repensa sua vida. Quem nunca passou por isso? A vida que se tem e a que se queria ter é o tema de “A mecânica das borboletas”, em cartaz no Centro Cultural Banco do Brasil até 8 de abril.
A obra de Walter Daguerre foi criada quando ele esteve em Cerro Branco, no interior do Rio Grande do Sul, e ficou pensando o que seria aquela vida de laçar cavalo, aquela vida de fazenda, em contraste com a sua, cosmopolita. A partir desta dualidade, Daguerre se utiliza da lenda de Rômulo e Remo para soltar suas metáforas a respeito das nossas escolhas e da construção dos nossos impérios.
“A mecânica das borboletas” aborda estes temas contando a história de Rômulo,  vivido por Eriberto Leão, que volta para casa 20 anos depois de sair em busca do sonho de desvendar o mundo. Ele reencontra o gêmeo Remo (Otto Júnior), que manteve o negócio do pai e prosseguiu no mesmo ofício, no mesmo lugar, e que tem o sonho de ter uma Harley Davidson, que usará para a sua vigem. Mas falta ainda a borboleta do carburador...
Por horas, o texto parece piegas, mas Daguerre tem boas tiradas – e nos leva a rir das situações da  vida. Quem nunca repensou sua vida? Quem nunca comparou a sua vida com a dos seus irmãos? Mesmo soando piegas, “A mecânica das borboletas” é universal e, no conjunto, é a encenação é boa – apesar de algumas escolhas estéticas questionáveis.
O cenário tenta retratar o espaço da história e dispõe de recursos para desenrolar o enredo. A luz marca as passagens. A trilha sonora pontua os momentos de tensão e de embates mas, no final, é óbvia, com Jorge Dexler e a referência ao filme “Diários de uma motocicleta”. Referencias, inclusive, é um dos recursos mais usados pelo dramaturgo ao longo de toda a história.
Outra escolha estética é a da direção (Paulo de Moraes), que usa em seus atores um tipo de impostação de voz que soa falsa. É como se o texto estivesse apenas saindo da boca para fora, sem verdade. Este elemento é gritante na primeira cena, mesmo na fala de Suzana Faini, atriz com longa trajetória, que faz o papel da mãe. Por vezes, é como se estivéssemos assistindo um vídeo com um delay entre a voz e a interpretação. Os momentos de verdade parecem, somente, os de fúria. No desenvolver da peça, a interpretação vai se acertando – exceto no caso de Ana Kurtner, que parece ter uma batata na boca – e os textos não soam mais como da boca para fora. Ou somos nós, espectadores, que nos acostumamos?
Apesar de alguns poréns, vale a pena sair de casa para ver a peça. É uma obra leve, mas que tras algumas reflexões. Típico programa de domingo. Mas nada que se aplauda em pé.

domingo, 18 de março de 2012

Eterna Pina

Como não deixar os olhos marejarem diante de "Ikiru", o solo de Tadashi Endo que faz uma homenagem à Pina Bausch? A obra, que estreou em 2009, e chegou ao Brasil no ano seguinte, veio a Brasília neste final de semana, na Caixa Cultural. Daqui segue para Fortaleza, onde será apresentada sábado e domingo que vem, no Teatro José de Alencar.
Na tradução para o português, Ikiru significa vida. Ao celebrar os mortos - seus mestres, Pina (2009) e Kazuo Ohno (2010) -, o bailarino japonês celebra a vida. Mais que uma homenagem à Pina, é uma releitura de "Café Müller", obra-prima da alemã, que estreou em 1978.
"Quando assisti Pina Bausch em 'Café Müller' - cega e incerta, fraca mas forte, para ultrapassar todas as barreiras (cadeiras) com o desejo impertubável de alcançar sua meta, eu fiquei impressionado!", diz o coreógrafo. Então, seu solo começa com ele sentado, com os braços esticados, como no caminhar de Pina em "Café Müller". Veste-se com uma roupa japonesa e dança o seu butô e, aos poucos, vai saindo desta roupa e desta movimentação leve e lenta e vira. Está então com uma daquelas camisolas que Pina tanto gostava e seus braços falam tanto quanto falavam o da alemã. Debate-se, então, também na sua "cegueira", mas não em cadeiras e, sim, em uma placa de alumínio que é o seu cenário. Faz-se um estrondo. E aquele ruído é muito mais forte e impactante que as cadeiras de Pina. É a cara dada à tapa, é o corpo se esfacelando.
As mudanças de nuances (e a passagem do butô para a dança-teatro) vão se dando junto com as de roupa, que vão diminuindo. Até que ele cai nu no chão, com os braços estendidos - os braços de Pina. E na penumbra do palco vemos ela, em "Café Müller". Uma bela reverência. Na hora de agradecer, antes de vir a nós, que estamos ali, com os olhos marejados, pensando nesta vida curta que temos, na solidão de Pina e dele em cena, em tudo isso e mais um pouco, ele faz com um corpo a reverência a ela e, então, se entrega a nós, mortais, para os aplausos. Simplesmente lindo. E eu fico me perguntando: por que essa alemãzinha, tão frágil e ao mesmo tempo tão forte, nos deixou tão cedo, se ainda tinha tanto a nos dizer?