quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Beleza sem dor




Fazer uma nova versão para uma obra consagrada que, além de tudo, teve algumas versões magníficas é uma tarefa bastante difícil. Pois foi este o desafio a que se propôs Leonardo Ramos, diretor do Ballet de Londrina que estreou este ano “A sagração da primavera”, em cartaz na última sexta-feira (4), em Brasília.

Para quem viu a ótima versão de Pina Bausch, criada em 1975 e remontada em 2009, com apresentação no Brasil, a comparação é sempre inevitável e, apesar de Ramos não querer ter alguém como modelo, as referências estão todas lá. A abertura lembra muito a versão de Pina Bausch, pois o linóleo foi pintado de cor de terra – na releitura alemã, colocava-se terra, de fato, no palco. Do mesmo modo as bailarinas estão deitadas sob um pano cru com manchas avermelhadas – o tecido vermelho, em Pina Bausch é o que caracteriza a escolhida, o sangue da mulher que será sacrificada.

O início da versão de Londrina é uma pintura. Todas as bailarinas deitadas no chão, sob este pano – que, infelizmente, não tem mais serventia no decorrer da peça – numa espiral. Como se fossem flores – o filme “A Flor do Deserto” teria sido fonte de inspiração de Ramos. O figurino, de Ana Carolina Ribeiro, é todo cru, com manchas. Na essência, quer-se mostrar o primitivo. No cenário, espelhos inclinados sob o teto – que, dependendo do teatro, refletem completamente a dança, que ocorre muitas vezes no solo. Em um determinado momento, enquanto elas se movimentam, o reflexo no espelho, com as ranhuras no piso, é simplesmente lindo...

Em sua peça, Ramos optou por uma versão da música de Igor Stravinsky no piano, sem orquestra. Perde-se com isso, boa parte da força musical – considerada, em 1913, um ruído que, aliado às inovações na dança, mereceu uma vaia na sua estréia. Por outro lado, este arranjo lembra um pouco tangos de Piazolla e, esta mudança, se reflete na escolha da movimentação dos bailarinos – as linhas geométricas do clássico e uma inversão terra-céu. Ao contrário da primeira versão, de Nijinsky, em que os pés batiam com a música e o movimento era todo para a terra (de cima para baixo), na proposta de Ramos, são de baixo para cima. Os bailarinos estão no chão, mas seus membros buscam o céu... Há a dominância de quedas e lutas corporais. “Para que tanta violência?”, indaga alguém na platéia. Ramos optou por movimentos que lembram a violência do grupo catarinense Cena 11 – que estava também em Brasília, no mesmo final de semana. São corpos que caem, que se jogam, quase sem apoio – mas com técnica específica para isso – e que percutem no chão, contrastante com o piano musical.

A escolhida é, sem dúvida, que roupa a cena. Desde sua entrada no palco, sabemos que ela será a virgem sacrificada. Pena que, exceto a respiração ofegante, falte a ela e aos demais bailarinos a violência e a dor em todo o corpo – inclusive na face. Chega a ser contraditório com a proposta do coreógrafo. Temos, assim, uma beleza, sem dor.

Ramos optou pela violência nos corpos para evidenciar a crueldade desta escolha, ainda presente em muitas sociedades. Violência nas quedas e também nas aberturas das pernas – quase que esgarçadas, como que as virgens estivessem sendo estuprada. Movimentos no chão com abertura máxima – que parecem sapos – lembram, em muito, duas versões antológicas também: de Bejárt, em 1959, em que quase a dança faz referencia direta ao ato sexual, e de Preljocaj, de 2001 – que coloca a virgem nua sobe o gramado verde (referencia direta da abertura do espetáculo).




segunda-feira, 31 de outubro de 2011

As flores murcham...


Imagina ganhar um buquê das tuas flores preferidas – no meu caso, rosas vermelhas ou champagne. Recebes o ramalhete feliz, cheira as flores e, imediatamente, vais abrir o cartão. As flores não eram de quem esperavas ou pior, é de alguém que detestas... Como elas, murchas – mas bem antes do tempo. Assim é “Buquê”, das Margaridas Dança, coreografado e dirigido por Laura Virgínia, autora do livro homônimo, que inspirou a obra dançante - que estreou dia 14 no Teatro Newton Rossi, em Ceilândia, terminando sua temporada ontem (30), no Espaço Mosaico.
A cena começa na sala de espera do teatro e o clima é de um cabaré. A platéia sentada, aguardando o sinal para entrar no teatro e eis que começa a tocar Chico Buarque e surgem os bailarinos – dois casais. Os homens (Beneto Reis e Júlio César Campos) vêm buscar as mulheres da platéia para dançar – como antigamente, com o rosto coladinho. E, enquanto dançam conosco, recitam poemas – do livro Buquê. As duas bailarinas – Laura Virgínia e Cleani Calazans – dançam como que a chamar (os poucos) homens da platéia, aguardando-o que eles façam a gentileza de as tirarem para bailar. Passado um tempo, vão então para o teatro, onde o espetáculo (diz a moça da recepção) vai começar. Mas já não havia?
Esta primeira cena é como quando ganhamos um buquê (e ainda não sabemos de quem é): ficamos com o perfume no ar. Estamos felizes por recebermos estas flores.
No teatro, a primeira cena, em que eles parecem em fuga. E, neste entremeio, recitam os poemas. Laura Virgínia é multiartista e trabalha com várias linguagens: dança, literatura, música e o Margaridas Dança, criado em 2004, busca também esta transdisciplinaridade. Mas será que o caminho é este? Eu preciso dançar recitando poemas para usar as duas linguagens? Por vezes, o movimento sublinha o poema, por outras é o poema que sublinha o movimento. E redunda...
O livro “Buquê” é como uma colcha de retalhos – traz poemas de diversas fases da vida da escritora, desde 1992. Assim, não é o buque de uma flor – a minha rosa, por exemplo – mas de várias, daqueles que misturam vários aromas. No livro são: gengibre, brunir, haiku e dança. Assim como no livro, a obra dançante traz os quatro momentos para o palco, representados por estados energéticos. Então, para representá-los, eles se servem de tudo: de uma “dança-kitsch” - como diz Laura Virgínia, oriunda das estéticas presentes em sua carreira (balé clássico, moderno, contemporâneo e jazz) – de uma trilha sonora que vai de Chico Buarque a Amy Winehouse, da mudança de figurinos, de elementos cênicos (como ratinhos brancos andando pelo chão?), etc. A produção cênica, inclusive, é caprichosa – com cortinas onde os poemas estão estampados, candelabros, manequins... “Buquê”, a obra cênica, acaba por ser também este mosaico e perde em unidade dramática – seria ela, teoricamente, as nuances das diferentes “flores”?
Uma das belas cenas é quando Cleani Calazans – que por vezes se repete no movimento de rolar e terminar com uma perna estendida - atravessa uma diagonal do palco na penumbra do gelo seco, sob bolhas de sabão produzidas pela platéia (corre de mão em mão o brinquedo), enquanto Laura Virgínia está do outro lado. As duas dançam por um bom tempo sem recitar poema algum. E, nesta hora, a dança fala tanto por si... Pra que, depois as palavras?
Mas a toada do espetáculo é sempre a mesma, a obra é muito linear e, assim como as flores, a plateia vai murchando na cadeira. Vem, então, a cena final – o sabor da alegria – numa “dança-kitsch” que soa exatamente assim (no sentido pejorativo), para nos tirar daquele marasmo e dar um brinde – com direito a guloseimas – a todos nós. O mosaico de flores, infelizmente, murchou antes do tempo e nem água traria o viço de volta. O buquê não era de quem esperávamos...

domingo, 14 de agosto de 2011

Carícias e um pouco mais...




Na vida, estamos sempre à espera de um toque. O toque da carícia, do telefone, do despertador, da dica, os mais diversos toques. Em “Tão próximo”, a Quasar Cia de Dança discute as relações humanas, mas poderíamos dizer que é a dança do toque. Sem ele, o movimento não acontece...

Henrique Rodovalho quer, com “Tão próximo”, inaugurar um novo momento da companhia, depois de mais de duas décadas de atuação. A idéia é ter maior interação entre os bailarinos e não tantos movimentos duos e solos, característicos de seu trabalho.

Quando a obra começa pensamos que, de fato, teremos mudanças – quem sabe drásticas – na Quasar. Pela primeira vez, vemos uma dança de conjunto – comum em companhias como o Grupo Corpo. Todos os oito bailarinos estão em cena, na penumbra, com a luz – desenho de Rodovalho – em partes do corpo. Movimentam-se como em um efeito dominó – um começa e os outros continuam – e também dançam sincronizados. O palco todo se ilumina, então, e vêm os duos tradicionais das coreografias de Rodovalho. Por vezes, a movimentação e o figurino nos remetem à obra-prima “Só tinha de ser com você” (2005), com a diferença de a música ser eletrônica e não MPB.

Mas não são a dança de conjunto ou a ausência de solos – como diz Rodovalho – o que marca a nova obra da companhia. É a pele, o toque. No início, meio tímido... são toques que já ocorriam em coreografias passadas, nos duos, em que um leva a outro movimento. Em outros momentos, realmente diferenciais. São, sobretudo, os silêncios os momentos mais delicados (e bonitos) da obra, em que um simples toque pode dizer tudo... um pé deslizando na pele do outro, o dedinho caminhando pelo corpo do companheiro. Este encadeamento a partir do toque de pele, verdadeiro, não o encostar-se ao colega e seguir o movimento – como já ocorria em outras obras, em seus duos – é que traz um diferencial e lembra, por vezes, muito a dança contemporânea paulistana e o uso das técnicas de educação somática. O que a pele produz no movimento? Como é senti-la e dançá-la? É por isso que os momentos de silêncio são tão preciosos, pois chamam a nossa atenção para este toque.

O figurino funcional, de Carlos Brasil, também é outra novidade no trabalho da Quasar. Ele não apenas veste o bailarino ou dança com ele. Mas, sim, faz parte da coreografia, é a segunda pele dos bailarinos. E, neste uso, Rodovalho se arrisca um pouco e sai de sua zona de conforto coreográfico – da excelência técnica, com o uso da fragmentação do corpo, que caracterizou a linguagem da Quasar ao longo dos últimos anos. Corpos se enroscam nas roupas, que são puxadas e servem de impulso para o movimento. Por vezes, este enroscar e encadear chegam a ser quase acrobático e fica evidente o trabalho de yoga e pilates realizado pelo grupo. É belíssima a cena das camisetas que se enrolam e amarram os bailarinos, que tentam se desvencilhar. Quantas vezes não estamos nas relações amarradas? Queremos sair e não conseguimos? Mais uma vez, nos remetemos à dança contemporânea paulistana e, no uso da roupa como peça da obra dançante, como fez Mariana Muniz com o seu “Parangolés” (2008).

A comicidade, outra característica forte da Quasar, que havia sido praticamente deixada de lado em “Só tinha de ser com você” e resgatada em “Por instantes de felicidade’ (2008), por vezes até de uma forma infantil, retorna em “Tão próximo”. O humor sutil que vem do movimento, como a repetição do gesto da mão, como que a implorar pelo toque... ou escancarado. Destaque para a bailarina Waleska Gonçalves, de volta à companhia desde 2005 e, talvez por isso, com a comicidade sutil que marcou obras como Divíduo (1998). Por vezes, ela implora o toque, quer ser vista... e quantas vezes nós não queremos só isso, um toque, um aconchego, alguém que nos enxergue? Outras ela é sádica, deixa-se tocar para expulsar... O sadismo, raro em obras de Rodovalho, por alguns instantes lembra “Nó” (2005), de Deborah Colker.   

As costuras entre as cenas são feitas a partir do movimento anterior. A iluminação destaca os movimentos e, por vezes, algumas intervenções nos remetem a outras obras de Rodovalho, como “Entre o corpo e o azul”, criado para a Sociedade Masculina – com faixas de luz do alto a baixo ou a luz lateral com a entrada dos bailarinos pelo chão. No cenário, apenas um tapete de pelúcia, a afofar as relações. Por vezes, ele também dança, com a pelúcia flutuando pelo espaço.

Em meio à batida eletrônica, os movimentos vão da delicadeza – que nos lembram, além de “Só tinha de ser com você”, alguns momentos da belíssima “Coreografia para ouvir” (1999) – à bruteza. As relações humanas são também violentas, nos diz Rodovalho.  

Desde a obra-prima “Só tinha de ser com você” que Rodovalho nos devia algo que realmente valesse a pena. A última obra, “Céu na boca”, havia sido feito em um momento conturbado da vida do coreógrafo, com perdas e separações. Talvez ele precisasse deste amadurecimento para produzir “Tão próximo” sem ser piegas. Porque, como diz o programa, “ciclos se fecham, mas não se encerram, necessariamente”.  

segunda-feira, 25 de julho de 2011

Dança, a prima pobre das artes

Neila Baldi*
 Delegada de Dança pela Conferência da Cultura do Distrito Federal, pós-graduada em Dança e Consciência Corporal. Autora do blog http://artes-do-corpo.blogspot.com


Quem passa pela Zona Central de Brasília, nos últimos dias, vê algo novo na paisagem, além de homens engravatados. São meninas, com postura elegante, bolsões enormes a tiracolo e indefectíveis coques, que denunciam para onde vão: ao XXI Seminário Internacional de Dança. Em outras cidades, como Joinville (SC) ou Bento Gonçalves (RS), em uma ocasião como essa, a cidade toda respiraria dança. Mas não aqui.
Na cidade dos burocratas, no museu de arte moderna a céu aberto, a dança é a prima pobre das artes. Basta dar uma olhada nos guias culturais – tem música, tem artes visuais e teatro. E dança? Quase nada. É verdade que isso não é um problema só de Brasília, mas de muitos outros lugares. Alguns produtores alegam que os custos de obras dançantes são mais altos. Só que o descaso com esta linguagem artística ocorre em várias instâncias.
Aqui no Distrito Federal temos um Centro de Dança, uma exceção entre as capitais. No entanto, ter um espaço específico para esta linguagem não significa ter uma política para a dança. O próprio Centro de Dança não tem uma proposta de ocupação – durante anos praticamente foi a “escola” de uma grande mestre de balé da cidade – e precisa, urgente, de reformas, além de um projeto de programação cultural.
No entanto, não é apenas nas políticas públicas que a dança está relegada ao segundo plano. Também nas escolas. E as duas coisas têm  relação direta. A dança está em segundo plano nas políticas culturais porque também está relegada à prima pobre na educação ou vice-versa? Se não formamos platéia, não formamos gente que queira fruir dança e, portanto, não temos quem brigue por uma política cultural da dança – ficando apenas ao produtor/criador esta disputa política.
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB 9.394/96) colocou as artes como disciplinas escolares obrigatórias no ensino formal. Deixou de ser atividade, como era na legislação anterior. E foi além, instituiu que as escolas deveriam oferecer as quatro linguagens artísticas: artes visuais, teatro, música e dança. E o que, de fato vemos? Nossas escolas – públicas e particulares – colocam nas aulas de artes apenas as visuais. Algumas poucas incluem teatro e música. A dança, na maioria das vezes, aparece apenas como atividade extraclasse e, quase sempre, na forma de uma técnica específica: o balé clássico. A dança, no entanto, é muito mais que isso.
Recentemente, a Secretaria de Educação do Distrito Federal fez concurso público para professor e colocou em seu edital apenas três linguagens artísticas: Artes Visuais, Teatro e Música. E a dança? O Distrito Federal já tem a sua licenciatura nesta área, do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Brasília (IFB) e o Brasil tem inúmeras faculdades, em todas as regiões, com este curso – o primeiro existe desde 1956, na Bahia. No entanto, a linguagem não foi contemplada no concurso do Distrito Federal. Formaremos professores para atuarem apenas em academias e escolas de dança? Não vamos nunca seguir as diretrizes da LDB e dos Parâmetros Curriculares Nacionais? Desta forma, vamos perpetuar um sistema que já ocorre com as leis de incentivo à cultura com isenção fiscal – que seguem a lógica do mercado – em que um grupo escolhe que dança é a que vale.
Enquanto não incluirmos, de fato, a dança no ensino formal não vamos extinguir alguns preconceitos em relação a ela: como o de que é coisa de mulher. A teórica Isabel Marques propõe que o ensino da dança na escola se dê sob três aspectos: textos (repertórios, improvisação, composição), contextos (saberes sobre a dança) e subtextos da dança (estruturas do movimento ou coreologia). Temos, então, uma dança que não é fechada, mas que abre portas para o aluno.  Ele não vai apenas dançar, mas refletir sobre esta linguagem e sua produção cultural.
Urge, portanto, que façamos com que a dança não seja a prima pobre das artes, que não fique reservada a um público específico ou classe social. A democratização do acesso a esta linguagem passa necessariamente pela escola. Quem sabe assim, em novas edições do Seminário Internacional de Dança, não apenas ocorram concursos e cursos e alguns espetáculos, mas que o encontro sirva também para a reflexão sobre a produção artística e a educação desta linguagem, fazendo com que o brasiliense viva a dança em sua plenitude.

Artigo publicado originalmento no Correio Braziliense, edição de 25/07/2011 

quarta-feira, 20 de julho de 2011

Vigor físico mais evidente... mas apenas isso


Estreou ontem em Brasília “A lenda da água grande”, do Ballet Nacional de Cuba. É a primeira vez que a obra, baseada em uma lenda indígena brasileira, é dançada fora da ilha de Fidel Castro. Também é considerado o primeiro “balé contemporâneo” da cinquentona companhia. Contemporâneo mais pelo tema do que pela linguagem, pois a estrutura dramatúrgica é de um autêntico “balezão”. Quem já viu o grupo dançando “Giselle” (que esteve em 2009 no Brasil) ou outra grande obra de repertório fica com a sensação de quero mais. Não enche os olhos...
A lenda conta a história de amor do valente Tarobá e Naipí, a jovem escolhida para ser sacrificada no culto ao monstro Mboi Tui. Os dois jovens fogem e o monstro a transforma numa pedra que, com sua fúria, se racha, abrindo as cataratas do Iguaçu.
A obra é boa para ver o vigor físico da dança cubana. A escola de balé cubano foi baseada na russa, com adaptações. Eles têm uma musicalidade diferenciada e uma movimentação ágil, com saltos com giros, mudanças de acento. Nesta obra, estas diferenciações ficam evidentes. Mas, apesar disso, não encanta. Por mais que o jovem coreógrafo Eduardo Blanco (29 anos) tenha começado a carreira ainda menino (aos 12), ainda falta uma pegada. Em uma hora e meia de espetáculo, dividido em dois atos, são poucas as cenas que encantam. Uma delas é a do embate de Taborá com Jaguar. São feitos desenhos no espaço, com a movimentação dos bailarinos, incluindo a mudança nos níveis - enquanto uns estão no alto, outros estão no baixo – que dão um colorido ao bailado. Mas é só...
Além disso, o elenco é jovem e falta uma presença cênica.  Até mesmo o casal de enamorados não cola – como quando na novela das oito os principais são “sem sal” A primeira bailarina, Barbara Garcia, é uma das mais experientes e expressivas – retrata no rosto o sofrimento do sacrifício. Mas não há empatia com seu partner (Amaya Rodriguez).
Amores impossíveis são comuns em histórias de balé e, presentes também em lendas. Quando se cria ou se assiste a uma obra, não há como não fazer conexões com outras já vistas. No segundo ato, quando as índias entram em cena agachadas é impossível não lembrar da “Floresta Amazônica” de Dalal Achcar, de quando a tribo vai colocar fogo na floresta para se vingar da deusa que se apaixonou pelo homem branco.
Do mesmo modo, quando a jovem é apresentada para o sacrifício é difícil não lembrar a bela cena criada por Pina Bausch em “A sagração da primavera”. Em um mundo com tantas boas referências, é mais difícil para o criador se superar, ainda mais para um jovem artista. Uma pena, pois Blanco carrega consigo a tradição do Ballet Nacional de Cuba e de um nome como Alicia Alonso.
Depois de Brasília, o grupo segue para Salvador (dias 23 e 24 no Teatro Castro Alves) e São Paulo (dias 27 a 30, no Teatro Anhembi Morumbi).

sexta-feira, 8 de julho de 2011

Um filme rebobinado

Capturar gestos de um instante, montar um quebra-cabeça. A proposta, ousada no conceito, se perde no palco. Fica enfadonho...
“Ímpar” a mais nova criação da companhia carioca Focus, estreou em Brasília no dia 25 de junho, ficando apenas um final-de-semana em cartaz (as temporadas de dança são sempre curtas), no Centro Cultural da Caixa. 
O espetáculo tem nove cenas, apresentadas fora da ordem cronológica. “Oba, vamos montar um quebra-cabeça!”, pensa o espectador. E, pelo início, parece que promete. A cena mostra uma mulher vestindo uma roupa. Hum...
As nove cenas seguem, sempre com blackout entre uma e outra (e isso é um dos motivos do cansaço no espectador). Poderia ter se buscado uma outra forma de ligação entre as cenas e de apresentação – para deixar claro que cada uma era um pedaço do quebra-cabeça. Como são “trechos” de um momento, músicas se repetem, gestos se repetem, coisas se repetem, se repetem, se repetem... a gente vai cansando da repetição.  
Segundo o coreógrafo, Alex Neoral, para marcar o caráter único de cada ato cênico, os noves fragmentos possuem texturas gestuais distintas entre si. “Isso reforça a questão da mudança, a cada momento da sua vida você está em algo diferente. Essas trocas de energia também são um desafio, já que os bailarinos têm que passar de um gestual muito rápido para outro mais devagar.” Mas não é esta sensação que o público tem. Corridas para lá e para cá (como correm este pessoal!), quedas, etc...
Apesar da repetição, o espetáculo tem os seus pontos positivos: a técnica dos bailarinos é evidente. Assim como algumas cenas, como a que estão no vestido longo, andando sob os joelhos.
No final, a cena do início, de outro ângulo, como um filme rebobinado. Ah, tá, agora entendi... pensa o espectador. Mas de que adianta, se ele já cansou com tudo aqui?
O espetáculo estreou em abril do ano passado e já foi apresentado no Rio de Janeiro, em Recife e passou por 10 cidades da França.

quinta-feira, 16 de junho de 2011

A difícil arte de contar histórias


Sem querer, ou talvez propositalmente, Deborah Colker criou um legítimo balé romântico – com direito a um ato branco – em Tatyana, sua mais nova produção, que esteve em Brasília no último final de semana. O espetáculo segue agora para Londrina (25 e 26 de junho), Joinville (20 de julho) e Porto Alegre (28 e 29 de julho).

A obra, considerada um balé contemporâneo, é para a coreógrafa o fim de uma trilogia, que começou com “Nó” (2005) e passou por “Cruel” (2008). Trilogia esta que marca uma mudança no pensamento coreográfico da companhia. Até “Nó”, Deborah primava por obras cujo vigor físico era o forte e que tinham como grande característica o deslumbramento pelo visual – tanto de cenários, figurinos, mas, sobretudo da movimentação dos bailarinos, que se jogavam em paredes, escalavam, caiam, etc. Era uma dança mais atlética ou aquilo que o teórico português António Pinto Ribeiro chama de corpo-máquina. Ou seja, o grupo tinha uma linha mais “acrobática” e, talvez por isso, a coreógrafa tenha sido chamada para compor para o Cirque du Soleil (Ovo, de 2009).

Em “Nó”, Deborah quis falar do desejo e, pela primeira vez, o grupo fez um trabalho de preparação que incluía o debate filosófico, a pesquisa – algo muito comum em companhias contemporâneas. A coreografia trazia bailarinos pendurados em cordas – ainda o atletismo – mas tinha um algo mais, que nos fazia sair do teatro pensando e não apenas deslumbrados – como estávamos acostumados. Deborah talvez começasse a buscar o que Ribeiro chama de corpo-livro, aquele que tem um algo mais comunicacional. A reação da platéia, no entanto, não foi das melhores. Muita gente estranhou e, mais ainda, em “Cruel”, quando o vigor atlético foi menor e ela nos trazia a crueldade humana na nossa cara, sem receios ou pudores. Neste espetáculo, as palmas eram reticentes... O público estava acostumado com o deslumbramento...

Agora, em “Tatyana”, Deborah faz as pazes com a platéia, mesmo sem o vigor físico de outrora, pois usa como elemento aquilo que ela melhor sabe fazer: o deslumbramento visual. O segundo ato, sobretudo, é de uma beleza que nos deixa boquiabertos – em certos aspectos, nos lembra a beleza da cena dos vasos, de “4 por 4” (2002). Não tem como não soltar uma exclamação (ou até um palavrão) ao final do espetáculo. É realmente deslumbrante (nota-se, não pelo conjunto, mas principalmente, pelo segundo ato). No entanto, apesar do encantamento , Deborah ainda tem dificuldades em contar histórias... Em Cruel, a dramaturgia era um dos grandes pecados da obra.

Desde que ela quis contar histórias, aproximou-se da técnica do balé clássico. O balé, como linguagem cênica, tem como características contar histórias e, para isso, usava não só a técnica da dança, mas também a pantomima. O grupo usava balé – a citada cena dos vasos, de “4x4” usa a sapatilha de ponta – mas, a partir de “Nó” a técnica fica visualmente mais presente, uma vez que o “atletismo” diminui. Em Tatyana há um avanço em relação à dramaturgia – principalmente no segundo ato – mas a dificuldade em contar histórias com o corpo, com a dança, fica evidente no primeiro.

A peça é baseada na obra “Evguêni Oniéguin”, do russo Alexander Puchkin. O livro conta a história de Oniéguin, um jovem abastado e entediado que vai para o campo e lá conhece o poeta Lenski, noivo do Olga, cuja irmã mais velha é Tatyana. Esta se apaixona por ele, que a rejeita. Anos mais tarde, ele a reencontra completamente diferente e, nela, vê o sentido para a sua vida. Era tarde demais. Em princípio, uma simples história de amor, mas que traz no seu íntimo questões muito mais relevantes, que passam pela personagem feminina – sobretudo de sua transformação.

Além das duas mulheres e dos dois homens – vividos por vários bailarinos ao mesmo tempo – a coreógrafa optou por trazer ao palco também o narrador, ou seja, o escritor. São cinco personagens em cena, vividos por vários bailarinos – e isso deixa a cena rica.

Assim como nos grandes balés, a obra começa com a apresentação dos personagens e, pouco a pouco a história começa a se desenrolar. E é no contá-la que Deborah se perde, buscando recursos que não seriam necessários, como a pantomima. A música – assim como se fazia no balé clássico – pontua o movimento. Desta forma, por exemplo, o deslumbramento de Tatyana por Oniéguin, se daria no movimento alegre, em consonância com o tema musical, não precisava explicitar em alguns gestuais. Por vezes, neste primeiro ato, a coreógrafa recorre a gestuais tão literais dos sentimentos (escrever com uma pena, para mostrar a carta, ou usar o punhal), que não eram necessários, pois a dança já falava por si só. A música, neste sentido, a cargo de Berna Ceppas – que optou por Tchaikovsky, na abertura do primeiro ato, Hardin, Górecki, Prokófiev, Stravinsky, entre outros, nesta primeira parte; e Rachmaninov, em todo o segundo ato – foi uma bela escolha (deixando de lado alguns tons pops e batidas comuns em outros espetáculos). Têm-se a sensação de se estar assistindo uma obra de balé clássico, daqueles chamados de “repertório”. O cenário – de Gringo Cardia – é uma grande árvore de metal, que serve para algumas estripulias – vindas do antigo atletismo da companhia – dos bailarinos. Neste sentido, podia inclusive ter sido melhor explorado.

É o cenário o recurso usado pela coreógrafa para fazer uma espécie de metalinguagem – quando a obra fala de si. Ela nos surpreende com um bailarino de cabelos louros, no papel do escritor, que lembra a autora do espetáculo. Em um dado momento, num truque de mágica, de ilusão proporcionada pelo cenário, é Deborah quem aparece em cena, como o escritor. Uau, ouve-se na platéia, quando se percebe o truque. O escritor, inclusive, por vezes, parece maquiavélico, manipulando seus personagens.

Quase no fim do primeiro ato, a cena do baile, por vezes, lembra – inclusive com o figurino de Olga – o espetáculo “Lecuona” (2004), do grupo Corpo.

O segundo ato começa como no chamado balé romântico, como um “ato branco”, com uma tela que enuveia a imagem. No fundo, em cima, como que planando no ar – em uma cena que lembra Giselle – estão as bailarinas. A própria transformação de Tatyana lembra a da obra de Coralli e Perrot. Este segundo momento da obra é de uma delicadeza ímpar, ao mesmo tempo em que gera uma magia e encantamento no espectador – inclusive com o uso, em alguns momentos, das sapatilhas de ponta. O devaneio em relação ao amor que não ocorreu – quem já não passou por isso? – e a rejeição, em que ela se mostra soberana, falam por si e deixam o público extasiado.

Fica, ao final, a dúvida: é apenas uma trilogia, ou Deborah vai, a partir de agora, explorar um novo fazer coreográfico?

quarta-feira, 8 de junho de 2011

Entre tapas ...


Diz a música popular que as relações afetivas entre um homem e mulher se dão entre tapas e beijos. Em “Danaides”, nova produção do grupo brasiliense Basirah, esta relação se dá apenas entre tapas. Há uma luta de poder entre os dois gêneros, com o uso da força e da submissão para ganhar esta guerra.

Um verdadeiro exército feminino entra em cena, no inicio do espetáculo, que estreou no último dia 2 de junho no espaço da Funarte, em Brasília, e fica em cartaz até o próximo dia 12 de junho. A obra tem como núcleo a história das filhas de Dânaos, que assassinavam seus noivos nas noites de núpcias. Elas têm o poder. E assim o parece, quando aquele batalhão, com os rostos cobertos por mascaras brancas, surgem no palco. Todas de salto alto: quer algo mais feminino e, ao mesmo temo, mais poderoso que isso?

O figurino é impecável, nos tons preto e cinza, com alguns toques brancos – roupas extremamente femininas, mesmo quando a bailarina usa calça. É, inclusive, um dos pontos fortes da obra: o cuidado com o cenário (Roustang Carrilho) e com o figurino (Eduardo Barón). O palco está montado com um linóleo vermelho ao centro e cadeiras, também vermelhas, ao redor, onde os bailarinos sentam e assistem as cenas, lembrando algumas peças dirigidas por Zé Celso Martinez.  Por vezes, dá a impressão de ser um ringue... com o sangue vermelho derramado.

As bailarinas entram em cena com força e, muitas delas, têm na expressão facial esta força cênica. São comandadas ao som de estalos de dedos. Unidas. Mas, por vezes, se tornam submissas aos homens, que mandam que façam isso ou aquilo. Mostrando que, ao contrário do mito, na sociedade atual, estamos em permanente conflito com o sexo oposto.

Algumas cenas da obra são belíssimas: como quando três delas entram ao fundo, carregando ramos de suplicantes – como na narração de Ésquilo para o mito (As suplicantes). Outra cena interessante é a que se dá nas cadeiras, com jogo de corpo de homens e mulheres.

Mitos e ritos estão presentes no nosso universo o tempo todo e, como na natureza nada se cria, tudo se copia, a obra de Giselle Rodrigues (diretora do grupo) por vezes faz referências a outras. É nítido, em dois momentos, “A sagração da primavera”, na versão de Pina Bausch, tanto com o ‘sangue’ no chão, quanto na roda de luta entre homens e mulheres – que faz lembrar outro ritual, o da escolha da virgem.

Interessantíssima também a cena da automutilação das mulheres, que se costuram: boca, peito, sexo, e uma delas, deixa-se machucar, com o sangue escorrendo pelo corpo. Atenção: as cenas, muitas delas, são fortes e, por isso, o espetáculo não é recomendado para menores de 16 anos. Outro soco no estômago é a degola dos homens (em As suplicantes, estão preparadas para matar ou morrer, numa repulsa descomunal a qualquer intimidade com os homens).

A obra peca, no entanto, por excessos. Em alguns momentos há elementos demais em cena, que interferem na leitura e confundem: rostos cobertos e descobertos, tubos, punhais, etc. A cena dos balões, por exemplo, explicita, ao seu final, o que já tínhamos entendido. Redunda, sem ser necessário.

Faltam também contrapontos. A obra inteira é densa e tensa, que acaba por ser linear. Como não ocorrem contrapontos, a solução para o final é voltar ao começo, com o exército e as máscaras. Ufa! Sabemos que acabou. E saímos do teatro mais pesados que entramos, pensando na Lei Maria da Penha e em todas as violências que homens e mulheres insistem em manter em suas relações – pessoais ou profissionais.



O que: Danaides

Quando: Até 12 de junho

Onde: Teatro Plínio Marcos – Funarte Brasília

Quanto: R$ 20  

segunda-feira, 30 de maio de 2011

Engraçadinhos, mas ...

A renomada companhia de dança Pilobolus Dance Theatre está no Brasil para uma turnê que percorreu São Paulo e Brasília (ontem) e segue para Belo Horizonte (amanhã), Rio de Janeiro (1 e 2 de junho) e Porto Alegre (4 de junho). No programa, cinco peças que dão um panorama dos 40 anos de atividades d grupo. Há desde coreografias de 1975 até 2010, com ênfase para as sombras – literais ou não. É, inclusive, a peça "The Transformation" – a primeira em que mostra uma dança de sombras - a mais encantadora. Para quem foi ao teatro querendo ver o Pilobolus famoso por suas acrobacias, se decepcionou: era tudo mais sutil que atlético. A peça com maior energia, no entanto, "Redline", fica sem graça diante de todo o resto, que tem na irreverência e na sutileza seus pontos fortes.
Apesar de todo o renome, desta vez, o programa não foi feliz. O conjunto da obra – formado por cinco coreografias, algumas belíssimas - pecava pela linearidade do gestual e na música, tornando o todo cansativo. A encantadora dança das sombras – que aparece a primeira vez em “The transformation” (2009) – volta depois do intervalo, em versão história em quadrinhos  e termina por perder a graça, pois dramaturgicamente se alonga mais que devia. Outro problema do espetáculo, como um todo, é que por se tratar de obras distintas, ficam sem a chamada “costura”. Em comum elas têm as questões dos relacionamentos. Mas entre uma obra e outra, o tempo todo há um blackout e um “mini” intervalo, com a cortina fechando e esperando a troca da cena – como o cenário não é grandioso, não se entende o porque de tanta demora.
A irreverência e o bom humor é, sem dúvida, a marca da companhia. E quem a conheceu a partir dos anos 90, quando a companhia veio ao país pela primeira vez, se surpreende com a primeira coreografia (“Untitled”, de 1975), da primeira década de existência do Pilobolus. As acrobacias são sutis, nada com energia forte, malabarismos quase circenses, quedas perigosas, etc. “Untitled” é a dança das mulheres gigantes que, na concepção dos coreógrafos (criação coletiva), são Alices que crescem e se transformam. A graça chega a ser infantil e é extremamente poética. Em cena, duas grandes mulheres, parecem estar em pernas de pau. Mas não, estão sob o corpo de dois bailarinos. E o fato de serem homens deixa a cena engraçada. Em cima, toda uma delicadeza, suportada com pernas fortes. Mas não somos nós, mulheres do século XXI, exatamente isso Delicadas e fortes. Elas fazem, então, um jogo que começa entre elas, até que dão à luz a esses homens fortes e grandes (uma imagem poética maravilhosa). E, então, jogam com eles e com outros dois, que haviam passado quando elas eram “gigantes”. A coreografia toda é este jogo entre os bailarinos e as bailarinas e o vestido longo. Engraçadinho e profundo, sem ser demagogo. Destaque para Eriko Jimbo, que é de uma delicadeza e de uma limpeza de movimento belíssimas.
Vem, então, a obra mais linda: “The transformation” – a dança das sombras. Mais uma vez em cena, Eriko. A japonesa, que dança de tudo um pouco (sua formação tem desde acrobacia até hip hop) é muito sutil e precisa em seus gestos.
“Duet” (1992) é a obra seguinte, onde mais uma vez estão em cena Eriko Jimbo e Jordan Kriston (estavam juntas na primeira peça), que discute a relação de atração e afeto entre duas mulheres, desta vez, em um jogo corporal mais intenso.
Depois do intervalo, mais um jogo de sombras – literais e físicas – na história em quadrinhos “Hapless hooligan”. A proposta é muito boa: na tela o desenho em quadrinhos e a sombra dos bailarinos dançando. Mas o desenrolar desta história de amor que ocorre depois da morte é grande e cansativo – não existe mais surpresas na magia da encenação, além de ser tão literal a história, quase didática. Perdeu-se, dramaturgicamente, o tempo para encerrá-la. Esta obra, inclusive, se mais curta, podia ser a finalização do espetáculo, que não perderia em coerência e teria um outro tipo de ápice.  
Então, quando já estamos cansados de danças sutis, com melodias idem, vem “Redline”. Uma quebra na lineralidade que ocorria no espetáculo até então. O embate por ele mesmo. Em cena, seis bailarinos – homens e mulheres – se degladiam. Faltava ao espetáculo um clímax, que talvez pudesse vier de “Redline”. Mas não. Fica sem graça, apesar de todas as gracinhas anteriores. Desta vez, o Pilobolus não nos surpreendeu. Uma pena.  

domingo, 3 de abril de 2011

Bertazzo pop


O flerte com o teatro musical (Noé! Noé! Deu a louca no convés, de 2008) fez bem, mas também fez muito mal a Ivaldo Bertazzo, renomado coreógrafo brasileiro. Por um lado, possibilitou ampliar a técnica de seus bailarinos – e unificá-la – mas, também deixamos de apreciar no corpo de seus bailarinos seu método (reeducação do movimento) quase que puro.
Se houve encantamento com Samwaad (2003) ou Milágrimas (2205), quando as obras de Bertazzo ainda não eram apresentadas por corpos “profissionais”, depois de criada a companhia é uma sucessão de altos e baixos. Na obra de estreia, um bonito “Mar de gente” – mas que soava repetitivo a Samwaad e Milágrimas. O espetáculo atual é dos baixos, bem baixo. Chega a ser infantil, de tão bobo. E, além de tudo, a turnê é um legítimo engodo... A proposta – totalmente financiada pelo Fundo Nacional da Cultura – era percorrer cinco cidades brasileiras apresentando a obra “Corpo Vivo – Carrossel das espécies” e, junto com ela, fazer workshop de reeducação do movimento e lançar o livro “Corpo Vivo – Reeducação do Movimento”. A sensação que se tem, para quem conhece a técnica de Bertazzo e/ou fez o workshop é que “o que eu falo não se escreve”. Não se reconhecem, na obra, o corpo vivo e a reeducação do movimento. Para entender: o teórico Antonio Pinto Ribeiro nos apresenta dois tipos de corpos: corpo-livro e corpo-máquina. No primeiro corpo tem um lado mais comunicacional; no segundo, mais acrobático. No primeiro se vê um espetáculo. No segundo, show. Ora aquele que trabalha com educação somática – técnicas que visam prever lesões, mas também aumentar a expressividade – tem como pressuposto, geralmente, um corpo-livro. Era o que víamos até “Mar de gente”. Não é o que vemos em Carrossel...
Além de não reconhecermos a proposta da Bertazzo em cena, o espetáculo é também um engodo por outro motivo: nos vende o que não mostra. Ou seja, propaganda enganosa. Não há no programa, release ou outro meio de comunicação a informação de que se trata de um teatro musical. Vamos ao teatro pensando em ver a reeducação do movimento em cena e uma obra de teatro e dança – uma vez que é o nome da companhia. Mas não teatro musical, que é um gênero específico das artes cênicas.
Somos enganados. Mas o pior está por vir. Tudo bem que seja musical, mas que seja bom!!! Não é o que se vê em cena. O texto é bobo e a direção quer ser didática, mas estraga tudo. E o mais engraçado é que o espetáculo começa “sério”, com cara de Bertazzo do tempo de Samwaad: o palco está vazio e apenas círculos de luz ao som de “Sons do Corpo Vivo”, de Ruben Feffer. Entram os bailarinos em cena, com roupas em tons pastéis e movimentos harmônicos, de uma grande beleza na cena “O peso da elevação”, em um jogo de pesos – com sacos de areia ou algo parecido. Até ali, tudo é bonito e harmônico: corpos, cenário, figurino e trilha sonora (exceto que, por vezes, assim como no balé clássico ele reforça a música com o movimento, algo não mais usual na dança contemporânea. Mas tudo bem, por esta cena dava para dar uns oito de nota). Em seguida, no entanto, descamba: “O conselho de um pássaro” traz o ator Rubens Caribe como um velho monge contando (com microfone!) que um dia um pássaro falou para ele prestar atenção nos animais e, outro monge, antes de morrer diz a este que não havia entendido nada. Como um monge fica anos em um mosteiro e não evolui? Verossimilhança, para que?
E a partir daí começam as cenas dos animais: coreografias intercaladas por “esquetes”. A dança fala por si. Não precisa de um texto que não esteja no corpo. O carrossel de Bertazzo podia ser apenas dançado. Assim, quem sabe, se salvaria. O texto deste teatro musical é muito pobre e o pretenso didatismo nos chama de burros. O ator apresenta as danças com “enigmas”: o que é o que... e em seguida vem o corpo de baile dançando algum animal.
Mas nem tudo está perdido. O interessante nas cenas coreografadas é perceber a limpeza do movimento (que pode ter vindo muito mais da técnica do balé clássico do que do “método de reeducação do movimento”) e a uniformidade do grupo. Na primeira obra, quando o grupo se profissionalizou, era evidente nos corpos a diferença dos bailarinos formados pelo projeto social e aqueles que entraram no grupo por audição. Daquele elenco original (de “Mar de Gente”) estão apenas sete dos 18 bailarinos da companhia. Mas não se vê, em cena, diferença técnica entre os bailarinos. Outro aspecto positivo do espetáculo (pensando em trajetória da companhia) é ver que estes corpos oriundos da “reeducação do movimento” conseguem mais que os movimentos sutis presentes em outras obras (a la dança indiana). O movimento dançado é mais vigoroso, com mistura de técnicas. Além do balé clássico vê-se também street dance, hip hop, dança flamenca, e a dança contemporânea é isso: convergência de linguagens e de técnicas. Mas, mesmo nas cenas dançadas, por vezes há pobreza.
São quase duas horas de cena – interrompida pela entrada de Bertazzo no palco que vai nos “ensinar a escovar o corpo, pois a técnica (usada em seu método) aumenta a circulação. Sinceramente, não precisava. Quem estava a fim foi ao workshop. Pois depois disso, o espetáculo continua, na mesma levada e o espectador vai se afundando na platéia. Enfim, vem a cena “O maestro e o coral dos bichos”, em que Caribe rege os bailarinos, com chapéus de bichinhos. Então a gente pensa: acabou, já estão todos aí... Este é grand finale. Mas ainda tem mais: “Pássaros e Monólogo do Homem” e então a platéia aplaude (a vontade era vaiar e, pasmem, em Brasília teve gente que aplaudiu de pé!). Estamos nos retirando quando o ator fala: Bônus. Oh meu Deus! E então Bertazzo nos chama de burros! Sim, pois o ator vai falando cada enigma e decifrando-o. Após cada fala, entra um bailarino carregando os bonecos dos bichinhos e, para finalizar, eles rodam (afinal, qual era o nome da obra? Carrossel de animais!). Não dá. A gente merece mais.
E saímos do teatro com a sensação: tudo bem, era de graça... Ops, não é de graça! Pior, é dinheiro público! E tem tanto grupo bom que não consegue patrocínio. Mas a grife Bertazzo consegue, mesmo que seja para nos apresentar uma obra medíocre. Afinal, ele é pop! Mas o espetáculo é pobre...
O grupo agora segue para Salvador, onde se apresenta dias 17 e 18 de abril, no Teatro Castro Alves. Não vá!!!

quarta-feira, 16 de março de 2011

Concretude Contorcionista


Qual o maior símbolo de Brasília? As formas geométricas criadas por Oscar Niemayer. Pois bem, o Ballet Brasília tentou levar ao palco os símbolos brasilienses, sua concretude, com a música de Claudio Santoro, na peça Suíte Brasília Ato I, criada em comemoração aos 28 anos da cidade. O espetáculo com a participação da Orquestra Filarmônica de Brasília é parte do projeto Popularizando a Sinfonia.
Infelizmente falta à obra dançada criatividade e sobra obviedade. Ao grupo atual de bailarinos – a companhia foi fundada em 1985 e a peça teve estreia em 1988 – falta também maturidade. Nos dois primeiros movimentos ficou clara a insegurança do grupo. Não havia expressão em seus rostos, os movimentos por vezes estavam sem sincronia e, além disso, muitos bailarinos quicavam.
Só se vê dança de fato – que vai além da técnica – pela primeira vez no solo de Maria Carollina Marcelo. Até ali, a peça é uma sucessão de poses que formam figuras geométricas, com arabesques, developpés e muito, mas muito, contorcionismo. É como se estivéssemos assistindo a uma apresentação de ginástica artística ou de circo. (Ou a ideia é mostrar: nossa como eles têm abertura, que flexibilidade!?). O balé clássico, por si só, já é uma dança geométrica e Merce Cunnigham nos provava como era possível fazer uma dança geométrica mas bela, criativa e expressiva. Não eram necessárias poses estáticas para se fazer o desenho geométrico de Brasília. Ele podia ser feito dançando!
Quando Maria Carollina Marcelo surge no palco, em seu solo, ufa (!) chega com ela a dança de fato. Ela desenha no ar a geometria da cidade de Lúcio Costa e Oscar Niemayer sem precisar ficar em equilíbrio (ou desequilíbrio, como vimos nos dois primeiros movimentos) estático. Faz a geometria em equilíbrio dinâmico. E dança com todo o corpo! É a primeira vez que vemos expressão no rosto de um dos bailarinos da companhia.
Depois dela, infelizmente, o quadro da obviedade. Estão lá no palco (em pose estática) a catedral, o Congresso, etc. Por que não fazê-los dançado? Seria um pouco menos óbvio. Um movimento inteiro de música com o quadro da cidade...
Mais uma vez, após a grande obviedade, uma cena de grupo com movimentos dançados e sem tantas poses, a geometria brasiliense se dá no corpo e ponto final. Mas a obviedade parece a marca deste balé: o bailarino que limpa o rosto ao som da água, que dá marteladas no chão ao som do martelo, pedaços de danças de vários estados (a capital de todos os brasileiros), etc, etc, etc. O duo com Vivian Salles, que vem em seguida, destoa de todo o balé. Trata-se de um movimento na música de Santoro que lembra um idílio amoroso. Faz-se então um pas de deux romântico com figurino de Romeu e Julieta!!! Até então todo o figurino e cenário eram condizentes com a proposta concretista. As obras de Reinaldo Cotia Braga eram baseadas em esboços de Oscar Niemayer. Ali, no pas de deux, a impressão que se tinha era a de um enxerto (de dança e de figurino).
O grand finale termina com ... poses. Brasília merecia mais. Assim como a obra de Santoro.

segunda-feira, 14 de março de 2011

Histórias fabulosas


"A lua vem da Ásia" marca a narrativa surrealista do escritor Walter Campos de Carvalho. No palco, em monólogo de Chico Diaz, vira realismo fantástico. A peça, em cartaz em Brasília, até o próximo dia 3 de abril, no Centro Cultural Banco do Brasil, conta, em forma de diário, a trajetória de um ser incomum pelas mais diversas geografias possíveis e impossíveis, em busca de um entendimento e justificativa perante a vida (e a morte), desafiando com ironia a lógica deste mundo.
Um ser que se autodenomina com vários nomes, ao longo da vida. Que vive várias vidas, em suas histórias fabulosas. Trata-se de uma espécide de "Cidades invisíveis", de Ítalo Calvino, às avessas. Não importa a cidade percorrida, mas a história vivida.
E Chico Diaz as conta com maestria, neste seu primeiro monólogo. Ao fim da primeira parte fica evidente a transformação do personagem e do ator. No palco, na primeira parte, um miniquarto, com paredes de telas - que servem como telas para dar as indicações dos capítulos da trama - e móveis pequenos, de crianças. O cenário nos dá este tom surreal do texto. Mas Chico Diaz vive tudo tão intensamente que dá um ar de realismo fantástico.
O personagem conta seus causos e, aos poucos vai se transformando e o motivo de sua clausura fica evidente. Com muita expressão de Chico Diaz. Ao fim desta primeira parte, nos dá um tapa com luvas, deste mundo que vivemos que confina os loucos e ainda dá choques elétricos. É maravilhosa e triste a “grande fuga”.
O texto todo é irônico e ao mesmo tempo poético.
A segunda parte, nosso contador de causos vive intensamente as “cidades invisíveis às avessas”. Por vezes, chegamos a acreditar em seus causos... E, mais uma vez, foge.
A trilha sonora - por vezes alta demais - sublinha na primeira parte as cenas. Na segunda, é como uma canção que saímos a cantarolar. A iluminação, reforça as cenas.
Trata-se, portanto, de uma obra teatral que realmente vale a pena ir ver. E prestigiar a transformação do ator.



SERVIÇO

A lua vem da Ásia

Atuação e adaptação: Chico Diaz
Direção: Moacir Chaves.
Data: 11 de março a 3 de abril
Horário:
Quinta a Sábado,  às 21h e Domingo, às 20h
Local:
Teatro I | SCES, Trecho 2, lote 22
Bilheteria/Informações:
Terça a domingo, das 9h às 21h | Telefone: (61) 3310-7087
Ingressos: R$ 15 (inteira) | R$ 7,50 (meia entrada)







quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Com gostinho de quero mais


Quando a gente começa a gostar, acaba. Esta é a sensação ao ver as esquetes apresentadas no projeto Teatro Visual: O que ainda não tínhamos visto?, em cartaz na Funarte em Brasília.
O Núcleo de Pesquisa Resta Pouco a Dizer, criado pelos diretores Adriano e Fernando Guimarães, apresenta um ciclo de atividades artísticas e de formação que buscar investigar a vertente Teatro Visual como uma das precursoras do teatro contemporâneo. Após cada espetáculo, uma palestra. Em “Ir e Vir”, que esteve em cartaz no domingo, 30, as três atrizes carregam em seus corpos todo o peso dos segredos das personagens. Camila Evangelista, Michelly Scanzi, Tati Ramos e Valéria Rocha caminham milimetricamente para sentar no banco, onde se passa a cena. O corpo é todo expressão, apesar de o rosto não ser visível – por conta do chapéu e da iluminação. Cada uma a seu jeito vai dando pista do enredo. As atrizes fazem uma espécie de coreografia, num "ir e vir". Sempre que uma sai, as duas que ficam trocam um segredo, que parece ser sobre a ausente. Ao desenrolar, vamos percebendo que são corpos e situações que vêm e vão.
Mas o texto é curto. E, quando a gente acha que está descobrindo o segredo, a peça acaba. Iluminação, cenário e figurino dão o tom da tensão, presente nos corpos das atrizes. O único porém é que o projeto propõe discussões após os espetáculos que não têm relação direta com a obra do dia, no sentido de usá-la como exemplo na discussão.
Neste primeiro final de semana, Antônio Araújo, fundador e diretor artístico do grupo de pesquisa Teatro da Vertigem, e docente da ECA-USP; Lílian Amaral, pesquisadora audiovisual, autora e professora da mesma Universidade; e Marília Panitz, crítica e curadora de artes visuais e docente do Departamento de Artes Visuais da UnB, discutiram as transformações sofridas pela linguagem teatral ao longo do século XX. Então, fica um vazio, e um gostinho de quero mais.

domingo, 23 de janeiro de 2011

Teatro-documentário



O documentário é um gênero cinematográfico com público restrito. Não é todo mundo que gosta e não é todo mundo que vai ao cinema para ver um filme deste naipe. Mas tem o seu valor. Existem documentários maravilhosos. Outros, por vezes, se tornam enfadonhos.
A gente pode contar histórias baseadas em fatos reais de forma ficcional ou não. Em todas as linguagens... No teatro, no entanto, mesmo histórias reais são ficcionadas e não têm cara de documentário. Pois “Nise da Silveira – Senhora das Imagens”, que teve sua estréia nacional em Brasília neste final de semana, é o típico espetáculo documentário, em seu formato.
A obra multimídia reúne teatro, dança, fotografia, vídeo e música para contar a história desta psiquiatra que revolucionou o trabalho com doentes mentais no Brasil. No palco, apenas a atriz Mariana Terra (filha de Raffaele Infante, psiquiatra que conviveu com Nise), que se desdobra em diversas personagens e em multifacetadas “Nises”. Fazer um monólogo pode parecer fácil, para quem vê, mas é extremamente difícil. O ator tem de segurar a onda. Segurar sozinho um espetáculo. E nem sempre consegue.
Mariana Terra parece uma atriz extremamente técnica. E, a técnica, parece ser o ponto forte e, ao mesmo tempo, a fragilidade do espetáculo. A técnica ajuda a realçar o formato documental do espetáculo. É tudo muito bem marcado. Cada gesto e fala são sincronizados com som e luz. Perfeito. Mas é técnica demais. Mariana Terra fica tão técnica que perde a emoção.
Uma história como a de Nise facilmente nos levaria às lágrimas e nos deixaria sensíveis ou reflexivos. O texto, por vezes, traz esta emoção. Mas falta à Mariana Terra esta verdade. Formada pelo Centro de Artes das Laranjeiras e pela Escola de Dança Angel Vianna, é evidente em Mariana o domínio (técnico) do corpo, dos gestos, da fala. Sua experiência na Itália, em commedia dell’art, é visível em cena. Um tipo de interpretação que, assim como o documentário, tem aqueles que gostam e, outros nem tanto. Mas independente do gosto, é claro seu domínio sobre este tipo de interpretação. No entanto, ela é melhor quando se arrisca. Quando faz Nise mais velha, o trabalho corporal de Mariana Terra é evidente. Seu corpo e sua voz refletem (e dão credibilidade) esta personagem mais velha. Quando ela sai da commedia dell’art fica mais sensível.
Cenário, figurino, iluminação e trilha sonora são os pontos fortes do espetáculo. Cuidadosamente planejados. A escolha pelo formato em cena também foi acertada para o tipo de trabalho que Nise fazia: a platéia está em cena, no palco, em um tom mais intimista, acompanhando a história. O único porém é que, no Teatro da Caixa, em Brasília, aquele que não conseguiu sentar na primeira fila do círculo formado em cena, não consegue ver direito e tem de passar o espetáculo torcendo o pescoço para assistir.    
Mesmo com alguns senões, vale a pena conferir a obra – que ainda está com um pouco de falta de ritmo. Mas, melhorias são bem vindas na direção. Fica sem sentido cênico – redundante – as cenas de dança em que a atriz mostra o processo de criação de alguns dos pacientes de Nise da Silveira, enquanto atrás há a projeção das obras dele. Não precisava mostrar todos aqueles artistas, com suas respectivas coreografias. O recado já estava dito. A comunicação se fez entendida. E, isso, ocorre no final do espetáculo, depois de mais de uma hora e meia. Ou seja, esta redundância se torna cansativa.
O texto, por vezes extremamente poético, casa com o estilo de interpretação da jovem atriz, que também fez a co-dramaturgia da obra, com Daniel Lobo (diretor). E, mesmo a poesia dele não tira da peça o seu ar documental. O cuidado com os mínimos detalhes – mérito à produção – garantem à obra a característica de teatro-documentário. Só por isso, e pela história revolucionária de Nise da Silveira, já vale o ingresso.