domingo, 14 de agosto de 2011

Carícias e um pouco mais...




Na vida, estamos sempre à espera de um toque. O toque da carícia, do telefone, do despertador, da dica, os mais diversos toques. Em “Tão próximo”, a Quasar Cia de Dança discute as relações humanas, mas poderíamos dizer que é a dança do toque. Sem ele, o movimento não acontece...

Henrique Rodovalho quer, com “Tão próximo”, inaugurar um novo momento da companhia, depois de mais de duas décadas de atuação. A idéia é ter maior interação entre os bailarinos e não tantos movimentos duos e solos, característicos de seu trabalho.

Quando a obra começa pensamos que, de fato, teremos mudanças – quem sabe drásticas – na Quasar. Pela primeira vez, vemos uma dança de conjunto – comum em companhias como o Grupo Corpo. Todos os oito bailarinos estão em cena, na penumbra, com a luz – desenho de Rodovalho – em partes do corpo. Movimentam-se como em um efeito dominó – um começa e os outros continuam – e também dançam sincronizados. O palco todo se ilumina, então, e vêm os duos tradicionais das coreografias de Rodovalho. Por vezes, a movimentação e o figurino nos remetem à obra-prima “Só tinha de ser com você” (2005), com a diferença de a música ser eletrônica e não MPB.

Mas não são a dança de conjunto ou a ausência de solos – como diz Rodovalho – o que marca a nova obra da companhia. É a pele, o toque. No início, meio tímido... são toques que já ocorriam em coreografias passadas, nos duos, em que um leva a outro movimento. Em outros momentos, realmente diferenciais. São, sobretudo, os silêncios os momentos mais delicados (e bonitos) da obra, em que um simples toque pode dizer tudo... um pé deslizando na pele do outro, o dedinho caminhando pelo corpo do companheiro. Este encadeamento a partir do toque de pele, verdadeiro, não o encostar-se ao colega e seguir o movimento – como já ocorria em outras obras, em seus duos – é que traz um diferencial e lembra, por vezes, muito a dança contemporânea paulistana e o uso das técnicas de educação somática. O que a pele produz no movimento? Como é senti-la e dançá-la? É por isso que os momentos de silêncio são tão preciosos, pois chamam a nossa atenção para este toque.

O figurino funcional, de Carlos Brasil, também é outra novidade no trabalho da Quasar. Ele não apenas veste o bailarino ou dança com ele. Mas, sim, faz parte da coreografia, é a segunda pele dos bailarinos. E, neste uso, Rodovalho se arrisca um pouco e sai de sua zona de conforto coreográfico – da excelência técnica, com o uso da fragmentação do corpo, que caracterizou a linguagem da Quasar ao longo dos últimos anos. Corpos se enroscam nas roupas, que são puxadas e servem de impulso para o movimento. Por vezes, este enroscar e encadear chegam a ser quase acrobático e fica evidente o trabalho de yoga e pilates realizado pelo grupo. É belíssima a cena das camisetas que se enrolam e amarram os bailarinos, que tentam se desvencilhar. Quantas vezes não estamos nas relações amarradas? Queremos sair e não conseguimos? Mais uma vez, nos remetemos à dança contemporânea paulistana e, no uso da roupa como peça da obra dançante, como fez Mariana Muniz com o seu “Parangolés” (2008).

A comicidade, outra característica forte da Quasar, que havia sido praticamente deixada de lado em “Só tinha de ser com você” e resgatada em “Por instantes de felicidade’ (2008), por vezes até de uma forma infantil, retorna em “Tão próximo”. O humor sutil que vem do movimento, como a repetição do gesto da mão, como que a implorar pelo toque... ou escancarado. Destaque para a bailarina Waleska Gonçalves, de volta à companhia desde 2005 e, talvez por isso, com a comicidade sutil que marcou obras como Divíduo (1998). Por vezes, ela implora o toque, quer ser vista... e quantas vezes nós não queremos só isso, um toque, um aconchego, alguém que nos enxergue? Outras ela é sádica, deixa-se tocar para expulsar... O sadismo, raro em obras de Rodovalho, por alguns instantes lembra “Nó” (2005), de Deborah Colker.   

As costuras entre as cenas são feitas a partir do movimento anterior. A iluminação destaca os movimentos e, por vezes, algumas intervenções nos remetem a outras obras de Rodovalho, como “Entre o corpo e o azul”, criado para a Sociedade Masculina – com faixas de luz do alto a baixo ou a luz lateral com a entrada dos bailarinos pelo chão. No cenário, apenas um tapete de pelúcia, a afofar as relações. Por vezes, ele também dança, com a pelúcia flutuando pelo espaço.

Em meio à batida eletrônica, os movimentos vão da delicadeza – que nos lembram, além de “Só tinha de ser com você”, alguns momentos da belíssima “Coreografia para ouvir” (1999) – à bruteza. As relações humanas são também violentas, nos diz Rodovalho.  

Desde a obra-prima “Só tinha de ser com você” que Rodovalho nos devia algo que realmente valesse a pena. A última obra, “Céu na boca”, havia sido feito em um momento conturbado da vida do coreógrafo, com perdas e separações. Talvez ele precisasse deste amadurecimento para produzir “Tão próximo” sem ser piegas. Porque, como diz o programa, “ciclos se fecham, mas não se encerram, necessariamente”.