terça-feira, 6 de novembro de 2012

Balé faz adaptação de Tenessee Willians



A mítica personagem Blanche, de Um bonde chamado desejo, ganha uma versão em solo de dança contemporânea, em que as diversas nuances femininas são apresentadas.

A bailarina gaúcha, radicada em Brasília, Neila Baldi, estreia na próxima sexta-feira (9), no Espaço Cultural Mapati, em Brasília, o solo “Blanche”, inspirado na personagem principal de “Um bonde chamado desejo”, de Tenessee Willians. Em “Blanche” a bailarina traz as diversas facetas de uma mesma mulher que são, também, algumas das nuances por que passam todas as mulheres.
A obra ganhou o Prêmio Funarte de Dança – Klauss Vianna 2011, do Ministério da Cultura, e é a única representante do Centro-Oeste em sua categoria. Trata-se da primeira vez que a mítica personagem de Tenessee Willians é transportada para a linguagem da dança. Depois de Brasília, o espetáculo segue para Samambaia, de 16 a 18 de novembro, e Gama, no final de semana seguinte.
Sem contar literalmente as situações vividas por Blanche, o espetáculo permeia seus estados físicos e psíquicos. Assim, traz os contrastes da fragilidade e da fortaleza da personagem, da mulher sedutora e da mulher sonhadora, do medo de chegar e da coragem de lutar, da pessoa ardilosa e daquela que precisa apenas de um pouco de gentileza, daquela que chega com ar superior e, no final, cai num profundo abismo. “Blanche é uma personagem muito complexa, tem uma fragilidade física aparente, mas precisou ser uma fortaleza para passar por tudo o que passou. E quem de nós não é assim, leoa e gata?”, pergunta-se a bailarina.
Viver Blanche na dança é retomar o papel sob outro ângulo, pois a bailarina havia entrado em contato com a personagem há cerca de 15 anos, quando fazia teatro em Porto Alegre, sua terra natal.  “Trata-se de uma personagem forte, que sempre me instigou e que gostaria de vivê-la novamente, mais madura artisticamente”, diz. Para compor a dramaturgia do espetáculo, a bailarina se utilizou de imagens de sombras, criadas pelo artista plástico Nazzareno Stanislau-Messbeway, que são projetadas. “A obra de Nazzareno dialogava com o conceito de Tenessee Willians, afinal, Blanche não quer o realismo, não ‘suporta’ uma lâmpada nua e o escuro a conforta”, explica. Também a partir do que considera o conceito do autor americano, a bailarina optou por uma trilha composta por blues – Ry Cooder e T-Bone Walker -, além de usar algumas composições criadas por Alex North para o filme “Um Bonde chamado desejo”, de Elia Kazan. A concepção da iluminação é de Zizi Antunes, que dialoga com as sombras do cenário.
Como parte do Prêmio Klauss Vianna, além das 10 apresentações – sendo metade propositalmente em Regiões Administrativas que não recebem muito este tipo de espetáculo – estão previstas também, em cada cidade, oficinas gratuitas de dança sobre o processo de criação e o método “Balé Clássico – Corpo Consciente”, base do trabalho da artista.

Serviço:
O QUE: Blanche – Solo de Dança contemporânea com a bailarina Neila Baldi, baseado na obra de Tenessee Willians
QUANDO: De 9 a 11 de novembro, às 21h. Dia 12, às 21h sessão fechada para estudantes de Dança.
ONDE: Espaço Cultural Mapati (707 Norte, bloco K, casa 5 – Brasília)
QUANTO: R$ 20 (inteira)

QUANDO: De 16 a 18 de novembro, às 21h
ONDE: Espaço Imaginário Cultural (QR 406, cj 30, lt 6 – Samambaia)
QUANTO: R$ 5 (preço único)

QUANDO: De 23 a 25 de novembro, às 21h
ONDE: Espaço Cultural Bagagem (Qd 40, lj 16 – Gama)
QUANTO: R$ 5 (preço único)


sábado, 28 de julho de 2012

Amor bobo


Dois espetáculos esta semana no Cena Contemporânea versavam sobre o amor. Os dois tinham o humor como pano de fundo. Uma obra brasileira de teatro – "Trabalhos de amores quase perdidos” e outra estrangeira (de teatro físico), da Espanha – Apple Love.
Duas obras que instigavam, mas que infelizmente não valiam a ida ao teatro. Premiado com Prêmio Shell, Pedro Brício prometia ao discutir as relações amorosas de pessoas na faixa dos 30 anos. O espetáculo todo era permeado pela metalinguagem. Em cena, quatro atores que, por hora, discutiam o texto a ser encenado. E, então, por um bom tempo, era como se estivéssemos vendo uma leitura dramática. Difícil segurar um espetáculo assim. Cansa. E quando a obra tem mais de uma hora e nem todos os atores são bons, o resultado é a plateia saindo mais cedo. Em Apple Love parte do público também saiu do teatro antes do fim do espetáculo.
“Eu não consigo ser profundo. Eu sou raso”, em determinado momento o ator-narrador diz esta frase. A peça tem algumas boas tiradas, algumas cenas engraçadas, mas não passa de colagens de coisas que já vimos em outros lugares. Nada original. E, aí, fica raso mesmo. O mais profundo de tudo foi o final: com a caixa cheia das cartas não mandadas... A incomunicabilidade entre os amantes – e sempre que penso nisso, algo tão comum na nossa era, lembro-me do ótimo “O silêncio dos amantes”, de Lya Luft – era um dos temas a serem discutidos, segundo a sinopse. As cartas não enviadas eram o símbolo do não-dito. Mas só elas não bastaram para dar mais sustância à obra.
Já os espanhóis da Cia Iker Gomes queriam falar do amor total. Que amor é este? A obra então começa como se estivéssemos no cinema assistindo ao trailer de algo muito esperado, talvez até de um show de rock. Oba, prometia, pensei. Mero engano. Mais uma vez cenas engraçadinhas, com música a la Sidney Magal, com vídeos clipes engraçados – lembravam Los autênticos decadentes, da Argentina. Mais nada. E com a mesma música que começou, como num ciclo amoroso, termina.
E a platéia sai com cara de boba. Então o amor, no século XXI é isso, uma piada?

domingo, 22 de julho de 2012

Roupas latinas



Roupas pra vestir. Roupas pra despir. Roupas para carregar. Roupas por todos os lados. Roupas como vestígios. Há algo no ar nas artes cênicas latinas: roupas. As vestimentas servem de fio condutor tanto em “Mi vida después” e “Enotraparte”, em cartaz no Cena Contemporânea.
Em comum entre as duas obras também as confissões: dos atores, na peça argentina; dos bailarinos, na colombiana.  Coincidências ficam por aí, pois os temas de discussão são outros.
“Enotraparte” quer discutir a identidade. Como é ser estrangeiro hoje, num mundo interligado, como é ser de algum lugar? O que nos faz pertencer?
Os bailarinos contam histórias, nas mais diversas línguas. Enquanto uns contam, outros dançam. Carregam trouxas de roupas – como fugitivos nos campos mexicanos rumo aos Estados Unidos. Roupas na cabeça, como lavadeiras. Roupas na mão, como aquele que viaja com o mínimo possível. Despem-se. E agora, quem sou? Trocam de roupa, como quem troca de identidade. E, mais uma vez, trocam confidências, sussurradas em pares. Reconhecem-se ou estranham-se. Esta cena, em que estão perfilados, em duplas, é talvez uma das mais belas da obra. Beleza singular e emocionante.
Emoção, porém, é o que falta à obra. Um tema tão delicado e instigante, em que esperamos nos emocionar. Falta um silêncio na imensidão das roupas, que caem sobre o palco...

quarta-feira, 18 de julho de 2012

Como nossos pais ou Como nuestros padres



O que nós levamos de nossos pais? Suas histórias determinam as nossas? Em que medida elas nos influenciam? Talvez um pouco disso nos venha à tona ao ver “Mi vida después”, que abriu ontem o Cena Contemporânea e segue até amanhã na Funarte, em Brasília. Assim como imaginar que toda ditadura é igual em qualquer lugar.
A peça é baseada na história real dos pais dos atores, que nasceram entre 1972 e 1983. A partir de fotos, cartas, roupas usadas, relatos, eles relatam a juventude de seus pais, os anos anteriores e posteriores ao nascimento daqueles que um dia estariam encenando suas vidas. Anos de chumbo, em plena ditadura no nosso país vizinho, a Argentina. E, como, ao ver os relatos, não pensar também na nossa história política?
Como não se emocionar com o relato do exílio do pai? Com a morte pela ditadura? Com a descoberta de que seu irmão, parceiro da vida toda, foi raptado? Do mesmo modo, como não rir de algumas situações vividas por eles.
A história real de pessoas que viveram a ditatura argentina poderia se tornar em algo enfadonho. Mas a peça é construída de modo dinâmico – num ritmo acelerado, em que as cenas são quase que flashes. Imagens projetadas, vídeos, sons em fita cassete, os mais diversos recursos para deixar dinâmico um espetáculo que fala do passado, que tem atores desde os 40 até 20 e poucos anos e que tem a cara da juventude. O texto, mesmo quando sério, não soa chato.
Um momento muito interessante é quando eles contam – de forma fragmentada – sonhos com seus pais. É quase uma aula de psicanálise. Inclusive, a relação deles com o que foram seus pais, é um exercício de auto-reflexão – o que deles (nossos pais) existe em nós, afinal? A peça poderia terminar ali e, parte das histórias que vêm depois, estar antes desta bela cena. Sem projeções para o futuro. Para quê?

quinta-feira, 29 de março de 2012

Beleza lúdica




Os brasilienses tiveram uma oportunidade rara neste mês de março: assistir a estreia nacional de uma obra de dança: “Camélia”, da Márcia Milhazes Companhia de Dança, que esteve em cartaz no Centro Cultural Banco do Brasil de 1º a 18 de março. O espetáculo, gratuito, era apresentado no vão livre do CCBB. Uma obra delicada, de uma beleza lúdica, que atraia toda a família – sobretudo por causa do cenário.

Composta por três cenas, “Camélia” é permeada pela obra de Beatriz Milhazes. A cenografia teve como base o móbile Aquarium, produzido por Beatriz com pedras e metais preciosos, a convite da Fondation Cartier, em Paris. São, então, cinco destes móbiles no teto, espalhados no espaço delimitado para a cena acontecer. As cadeiras para os espectadores circundam o tablado da cena, sendo que em um dos lados há uma parede de vidro – que reflete os bailarinos.

“Camélia” é o resultado de uma experiência anterior de Márcia Milhazes, que havia sido convidada para realizar uma apresentação na abertura de um panorama da arte brasileira na Espanha e, em frente a um museu, percebeu como era lidar com espaços abertos. Esta mudança no espaço da cena é um marco na trajetória da coreógrafa, acostumada ao palco italiano.
A trilha sonora compõe e divide Camélia em três blocos, onde o foco é a brasilidade. No primeiro estão os motivos sacros e barrocos de Francisco Xavier Batista, Padre José Maurício e Carlos Seixas, compositores do século 17, interpretados pelo cravista Marcelo Fagerlande. Nesta primeira cena, há uma ludicidade grande, é como se as bailarinas Aline Arakaki e a brasiliense Ana Amélia Vianna brincassem entre elas: um jogo de procura e esconde – deixando o bailarino (Felipe Padilha) solitário. A parede de vidro serve de elemento definidor desta brincadeira.

O segundo bloco traz Heitor Villa-Lobos com Prelúdio nº2 ,  para piano e violoncelo, e Sonata para cordas. Nesta fase, mudam-se os figurinos e há mais espaços para pas de deux, como se Felipe Padilha, por vezes, fosse disputado pelas meninas. A terceira intervenção é um retorno ao século 17, com peça anônima escrita para viola da gamba. Volta-se também para o primeiro figurino. O desenho do figurino, também de Márcia Milhazes, compõe com o cenário da irmã, com cores fortes para as bailarinas e branco para o bailarino. 

A movimentação do elenco é permeada pelo uso dos membros: pernas e braços que voam no espaço e, por vezes, tocam os móbiles, balançando-os.  E é toda essa brincadeira que encanta os olhos. Em cada intervalo, crianças da plateia invadem o espaço e se divertem tentando tocar os móbiles e voar como os bailarinos.

Sem grandes pretensões, “Camélia” é o típico espetáculo familiar, para se deliciar.

domingo, 25 de março de 2012

Piegas, mas real



O filme “Duas vidas” (de Jon Turteltaub) conta a história de um homem que, ao fazer 40 anos, repensa sua vida. Quem nunca passou por isso? A vida que se tem e a que se queria ter é o tema de “A mecânica das borboletas”, em cartaz no Centro Cultural Banco do Brasil até 8 de abril.
A obra de Walter Daguerre foi criada quando ele esteve em Cerro Branco, no interior do Rio Grande do Sul, e ficou pensando o que seria aquela vida de laçar cavalo, aquela vida de fazenda, em contraste com a sua, cosmopolita. A partir desta dualidade, Daguerre se utiliza da lenda de Rômulo e Remo para soltar suas metáforas a respeito das nossas escolhas e da construção dos nossos impérios.
“A mecânica das borboletas” aborda estes temas contando a história de Rômulo,  vivido por Eriberto Leão, que volta para casa 20 anos depois de sair em busca do sonho de desvendar o mundo. Ele reencontra o gêmeo Remo (Otto Júnior), que manteve o negócio do pai e prosseguiu no mesmo ofício, no mesmo lugar, e que tem o sonho de ter uma Harley Davidson, que usará para a sua vigem. Mas falta ainda a borboleta do carburador...
Por horas, o texto parece piegas, mas Daguerre tem boas tiradas – e nos leva a rir das situações da  vida. Quem nunca repensou sua vida? Quem nunca comparou a sua vida com a dos seus irmãos? Mesmo soando piegas, “A mecânica das borboletas” é universal e, no conjunto, é a encenação é boa – apesar de algumas escolhas estéticas questionáveis.
O cenário tenta retratar o espaço da história e dispõe de recursos para desenrolar o enredo. A luz marca as passagens. A trilha sonora pontua os momentos de tensão e de embates mas, no final, é óbvia, com Jorge Dexler e a referência ao filme “Diários de uma motocicleta”. Referencias, inclusive, é um dos recursos mais usados pelo dramaturgo ao longo de toda a história.
Outra escolha estética é a da direção (Paulo de Moraes), que usa em seus atores um tipo de impostação de voz que soa falsa. É como se o texto estivesse apenas saindo da boca para fora, sem verdade. Este elemento é gritante na primeira cena, mesmo na fala de Suzana Faini, atriz com longa trajetória, que faz o papel da mãe. Por vezes, é como se estivéssemos assistindo um vídeo com um delay entre a voz e a interpretação. Os momentos de verdade parecem, somente, os de fúria. No desenvolver da peça, a interpretação vai se acertando – exceto no caso de Ana Kurtner, que parece ter uma batata na boca – e os textos não soam mais como da boca para fora. Ou somos nós, espectadores, que nos acostumamos?
Apesar de alguns poréns, vale a pena sair de casa para ver a peça. É uma obra leve, mas que tras algumas reflexões. Típico programa de domingo. Mas nada que se aplauda em pé.

domingo, 18 de março de 2012

Eterna Pina

Como não deixar os olhos marejarem diante de "Ikiru", o solo de Tadashi Endo que faz uma homenagem à Pina Bausch? A obra, que estreou em 2009, e chegou ao Brasil no ano seguinte, veio a Brasília neste final de semana, na Caixa Cultural. Daqui segue para Fortaleza, onde será apresentada sábado e domingo que vem, no Teatro José de Alencar.
Na tradução para o português, Ikiru significa vida. Ao celebrar os mortos - seus mestres, Pina (2009) e Kazuo Ohno (2010) -, o bailarino japonês celebra a vida. Mais que uma homenagem à Pina, é uma releitura de "Café Müller", obra-prima da alemã, que estreou em 1978.
"Quando assisti Pina Bausch em 'Café Müller' - cega e incerta, fraca mas forte, para ultrapassar todas as barreiras (cadeiras) com o desejo impertubável de alcançar sua meta, eu fiquei impressionado!", diz o coreógrafo. Então, seu solo começa com ele sentado, com os braços esticados, como no caminhar de Pina em "Café Müller". Veste-se com uma roupa japonesa e dança o seu butô e, aos poucos, vai saindo desta roupa e desta movimentação leve e lenta e vira. Está então com uma daquelas camisolas que Pina tanto gostava e seus braços falam tanto quanto falavam o da alemã. Debate-se, então, também na sua "cegueira", mas não em cadeiras e, sim, em uma placa de alumínio que é o seu cenário. Faz-se um estrondo. E aquele ruído é muito mais forte e impactante que as cadeiras de Pina. É a cara dada à tapa, é o corpo se esfacelando.
As mudanças de nuances (e a passagem do butô para a dança-teatro) vão se dando junto com as de roupa, que vão diminuindo. Até que ele cai nu no chão, com os braços estendidos - os braços de Pina. E na penumbra do palco vemos ela, em "Café Müller". Uma bela reverência. Na hora de agradecer, antes de vir a nós, que estamos ali, com os olhos marejados, pensando nesta vida curta que temos, na solidão de Pina e dele em cena, em tudo isso e mais um pouco, ele faz com um corpo a reverência a ela e, então, se entrega a nós, mortais, para os aplausos. Simplesmente lindo. E eu fico me perguntando: por que essa alemãzinha, tão frágil e ao mesmo tempo tão forte, nos deixou tão cedo, se ainda tinha tanto a nos dizer?