segunda-feira, 25 de julho de 2011

Dança, a prima pobre das artes

Neila Baldi*
 Delegada de Dança pela Conferência da Cultura do Distrito Federal, pós-graduada em Dança e Consciência Corporal. Autora do blog http://artes-do-corpo.blogspot.com


Quem passa pela Zona Central de Brasília, nos últimos dias, vê algo novo na paisagem, além de homens engravatados. São meninas, com postura elegante, bolsões enormes a tiracolo e indefectíveis coques, que denunciam para onde vão: ao XXI Seminário Internacional de Dança. Em outras cidades, como Joinville (SC) ou Bento Gonçalves (RS), em uma ocasião como essa, a cidade toda respiraria dança. Mas não aqui.
Na cidade dos burocratas, no museu de arte moderna a céu aberto, a dança é a prima pobre das artes. Basta dar uma olhada nos guias culturais – tem música, tem artes visuais e teatro. E dança? Quase nada. É verdade que isso não é um problema só de Brasília, mas de muitos outros lugares. Alguns produtores alegam que os custos de obras dançantes são mais altos. Só que o descaso com esta linguagem artística ocorre em várias instâncias.
Aqui no Distrito Federal temos um Centro de Dança, uma exceção entre as capitais. No entanto, ter um espaço específico para esta linguagem não significa ter uma política para a dança. O próprio Centro de Dança não tem uma proposta de ocupação – durante anos praticamente foi a “escola” de uma grande mestre de balé da cidade – e precisa, urgente, de reformas, além de um projeto de programação cultural.
No entanto, não é apenas nas políticas públicas que a dança está relegada ao segundo plano. Também nas escolas. E as duas coisas têm  relação direta. A dança está em segundo plano nas políticas culturais porque também está relegada à prima pobre na educação ou vice-versa? Se não formamos platéia, não formamos gente que queira fruir dança e, portanto, não temos quem brigue por uma política cultural da dança – ficando apenas ao produtor/criador esta disputa política.
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB 9.394/96) colocou as artes como disciplinas escolares obrigatórias no ensino formal. Deixou de ser atividade, como era na legislação anterior. E foi além, instituiu que as escolas deveriam oferecer as quatro linguagens artísticas: artes visuais, teatro, música e dança. E o que, de fato vemos? Nossas escolas – públicas e particulares – colocam nas aulas de artes apenas as visuais. Algumas poucas incluem teatro e música. A dança, na maioria das vezes, aparece apenas como atividade extraclasse e, quase sempre, na forma de uma técnica específica: o balé clássico. A dança, no entanto, é muito mais que isso.
Recentemente, a Secretaria de Educação do Distrito Federal fez concurso público para professor e colocou em seu edital apenas três linguagens artísticas: Artes Visuais, Teatro e Música. E a dança? O Distrito Federal já tem a sua licenciatura nesta área, do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Brasília (IFB) e o Brasil tem inúmeras faculdades, em todas as regiões, com este curso – o primeiro existe desde 1956, na Bahia. No entanto, a linguagem não foi contemplada no concurso do Distrito Federal. Formaremos professores para atuarem apenas em academias e escolas de dança? Não vamos nunca seguir as diretrizes da LDB e dos Parâmetros Curriculares Nacionais? Desta forma, vamos perpetuar um sistema que já ocorre com as leis de incentivo à cultura com isenção fiscal – que seguem a lógica do mercado – em que um grupo escolhe que dança é a que vale.
Enquanto não incluirmos, de fato, a dança no ensino formal não vamos extinguir alguns preconceitos em relação a ela: como o de que é coisa de mulher. A teórica Isabel Marques propõe que o ensino da dança na escola se dê sob três aspectos: textos (repertórios, improvisação, composição), contextos (saberes sobre a dança) e subtextos da dança (estruturas do movimento ou coreologia). Temos, então, uma dança que não é fechada, mas que abre portas para o aluno.  Ele não vai apenas dançar, mas refletir sobre esta linguagem e sua produção cultural.
Urge, portanto, que façamos com que a dança não seja a prima pobre das artes, que não fique reservada a um público específico ou classe social. A democratização do acesso a esta linguagem passa necessariamente pela escola. Quem sabe assim, em novas edições do Seminário Internacional de Dança, não apenas ocorram concursos e cursos e alguns espetáculos, mas que o encontro sirva também para a reflexão sobre a produção artística e a educação desta linguagem, fazendo com que o brasiliense viva a dança em sua plenitude.

Artigo publicado originalmento no Correio Braziliense, edição de 25/07/2011 

Um comentário:

  1. Amei!!!
    Se nos unirmos mudaremos esta realidade.
    Parabéns Neila
    o artigo ficou excelente.

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